O pintor das calçadas

O PINTOR DE CALÇADAS

Jorge Linhaça

16/11/2006

Desci do lotação na rua dos Andradas, no centro de Porto Alegre, doido para comprar um jornal de esportes.

Entre a segunda e terceira banca que visitei, lá estava ele, ajoelhado sobre a calçada.

Um recipiente de plástico, guardando seu precioso material de pintura, gizes escolares de várias cores.

De suas habilidosas mãos, uma obra de arte inusitada

brotava da suja calçada, um sagrado coração de Jesus, entre as nuvens cuidadosamente desenhadas, emoldurado por colunas maviosas e um arco superior.

Sob essa imagem, prédios de antiga arquitetura, ocultavam parcialmente abóbadas de uma possível catedral.

Nada mais que giz escolar e escovas de dente velhas, constituíam o seu material de trabalho naquele atelier a céu aberto.

Fiquei a contemplar o cuidado com que misturava cores com a ponta dos dedos fazendo se sua estranha tela também sua paleta, a calçada se transformando em um quadro.

Não resisti e em um momento em que parou para acender um cigarro, perguntei-lhe o seu nome:

- me chamo Oscar, respondeu com sotaque castelhano, em um tom de voz baixo que me fez repetir a pergunta.

- Sou argentino, mas moro em Porto Alegre agora.

- Você pinta também em telas? arrisquei perguntar...

- Pinto, mas aqui é perigoso trazer o material pois é proibido vender antes das 7 horas ( da noite) e depois dessa hora não vale a pena pois já não há quase movimento para esse tipo de trabalho.

Descobri ainda que seu nome completo é Oscar Fernandez e que pretende retornar à Espanha quando possível.

Mas o que me chama atenção é o fato da efemeridade de sua obra, com a chuva que se aproxima, por certo ela irá literalmente por água abaixo; mas a alma do artista por certo não se preocupa com isso.

O que importa é mostrar o que lhe vem do interior,( lógico que os poucos trocados que os passantes vão depositando em sua caixa, ajudam, mesmo que seja só para o cigarro e o giz ) e foi a maneira que ele encontrou de fazer seu marketing pessoal; para os mais observadores, uma placa ao lado da sua obra dá o tom de seu talento " Pinta-se Murais"

Pena que a agitação da cidade, impeça que as pessoas parem mais que poucos minutos para ver a sua técnica de pintar com giz.

Eu mesmo não vi a sua obra completamente construída, e por certo jamais a verei, pois amanhã o giz já terá se apagado da calçada, mas sempre existirá outra obra a ser executada pelo pintor de calçadas