"Se essa rua fosse minha"
Exausta de tentar encontrar a mim mesma, numa busca sem sucesso, resolvo que o melhor é esquecer essa ideia. Uma ligeira tristeza me abate e, temendo que se instale e faça morada, procuro algo para me distrair. Penso em ler alguma coisa, ver televisão, rever fotos antigas, mas não quero nada disso. Abro o portão e passo a vista na rua, nada me interessa. Mas, diante do vazio em mim, decido sentar e ficar ali mesmo.
Detida em meus questionamentos sem fim, passo a observar o que acontece. Em frente, há um casal bem jovem fazendo o que chamam de “namorar”. Muito diferente do meu tempo. Ficam se agredindo, física e verbalmente.
Numa calçada ao lado, brincam duas meninas. Fazem umas piruetas que me sugerem perigo, mas estão acostumadas com essas brincadeiras arriscadas, o que garante que não se machucarão.
De repente, passa minha sobrinha, que mora ao lado:
- Jéssica, vai aonde?
- Vou aqui, na minha vó!
Um grupo de pessoas passa na rua e percebo que há uma discussão naquele meio. O homem, exaltado, pergunta pelas chaves, e a mulher segue dizendo que não está com elas. Eu os sigo com o olhar e vejo quando ele toca o bolso traseiro do short dela e entendo esse gesto como uma tentativa de conferir se as chaves não estão lá. Continuam umas vozes alteradas até que meus ouvidos não mais as alcançam.
Em frente à casa um pouco mais distante, dois homens conversam desde que sentei. O visitante sequer desceu da bicicleta, embora a conversa pareça extensa.
Passa agora o Ronda do Quarteirão. Por aqui isso ocorre com frequência. É possível que passem novamente antes que eu assine esse texto. A viatura estava com os faróis apagados, julguei estranho, mas pensei que talvez não quisessem ser vistos.
Buscava uma fuga para a minha solidão quando resolvi sentar aqui fora. No entanto, nada me distrai dos meus pensamentos. Mas não quero falar deles, prefiro continuar registrando a monotonia dos acontecimentos comuns da minha rua.
Sobrevoa minha casa uma coruja. Ela canta. Parece mais feliz que eu. Hoje nenhuma canção eu ousaria cantar, pois se o fizesse, talvez escolhesse alguma triste, saudosa, sei lá, e isso faria pior esse meu momento particular.
Duas senhoras seguem os passos desordenados e lentos de uma menininha, talvez de uns dois anos de idade. Estão indo para a Igreja. São evangélicas. Sei disso porque, embora morem nesta rua há bem menos tempo que eu, acabamos sempre sabendo um pouco da vida dos outros. E, mesmo que eu não soubesse, seus trajes são bem característicos, além do salto que usam. Acho que se produzem pra Jesus. Ao menos isso na minha Igreja me parece mais livre. Posso ir à missa de rasteirinha, o que é um sonho, porque nosso caminho é longo.
Guardo o celular na perna e, por um instante, penso se não seria mais seguro deixá-lo dentro de casa, mas lembro que espero uma ligação, desde que acordei. E já é noite, são quase oito horas (ou vinte, pra quem preferir). Que lástima!
A mãe sai na porta e grita o nome do filho, ordenando que entre, mas ele parece surdo, é o que penso diante da sua reação. Desistindo, a mulher retorna para dentro.
Um cachorro sobe e desce a rua esperando uma vítima. É meio idiota, mas ele persegue os motoqueiros. Corre desesperadamente ao lado da moto, latindo, e eu fico pensando se isso é diversão ou maldade, e nada consigo concluir, apenas acho idiota. Não sei como ele se chama, mas a senhora da memória gasta pelo tempo, o chama de “Duquesa”.
Agora se aproxima meu pai. Chama-me pelo nome da minha filha, acho que por não estar enxergando direito. Quer me contar, outra vez, a história da recarga do celular que, por engano, acabou fazendo duas vezes.
Decido finalmente entrar. É melhor. Chega de registros!