POBRE FAISÃO

Dentre a diversidade de produtos alimentícios expostos na vitrine do frigorífico, todos de bom tamanho e principalmente carnudos, dei de cara com o mirradinho e esquecido faisão. Não totalmente depenado, o corpinho delicado exibindo marcas de machucados, a cabecinha troncha enterrada nos flancos nus, a árvore-símbolo de riqueza gastronômica perdia-se na multidão de enormes perus gordos, eivados de carne, patos rechonchudos de peito suculento, leitões obesos e centenas de outros animais abatidos em nome da gula humana. No meio daquela carnificina toda, a uma temperatura de alguns graus negativos provavelmente, o faisão só poderia ser visto por quem estivesse à procura de algo totalmente diferente e nada usual, caso, evidente, desse lindo pássaro de lindas penas e aspecto encantador.

Contudo, naquele universo de morte consentida pela lei dos homens, o pobre faisão desnudava-se de sua radiante beleza para dar lugar a restos mortais de carne, ossos e leve penugem, num absurdo contraste da vida plena e bela com o fim horrendo e desconcertante. A natureza dessa vida abundante, cujo domínio no universo de seu viver é destacado por seu canto simples e desprovido de tons melodiosos, por suas penas amarronzadas, sua cabeça com lados vermelhos e seu rabo sem o fulgor dos pavões, esmorece diante do inflexível e indiferente dedo humano que aperta o gatilho da arma e o acerta em cheio para vê-lo rodopiar no ar, emitir um último grito de dor e cair morto, quiçá nas vascas da morte sobre a terra, ou se desfazer da existência no mato seco. Depenado e eviscerado, vai para os frigoríficos onde é vendido a peso de ouro aos ricos glutões insensíveis.

Pobre e inocente faisão, ave bela a despertar a fúria gastronômica dos homens, a servir de alimento quando deveria estar desfrutando a liberdade de passar os anos de seus dias no habitat conveniente e natural sem ser incomodado por ninguém. Nem morto por uma certeira bala que lhe estraçalha a cabeça ou destroça-lhe o corpo. Reserva-lhe o destino, no entanto, esse fardo, esse fim doloroso e triste, tanto por tratar-se de algo comestível quanto por dar prazer à soberba dos caçadores, que se gabam da pontaria e do desprezo delegado à plenitude da existência dos outros seres.

Aquele pequenino faisão estivera em pleno gozo do viver, agira e se agitara da forma comportamental própria de sua espécie, se macho, todo garboso, se exibira excitado à fêmea; se fêmea, é certo que muitas vezes recebera o macho como seu, acasalando-se como fazem todos os machos e fêmeas enquanto vivos e ativos. Certamente gostava de estar vivo e feliz no singelo campo de seu horizonte, junto dos seus pares, brigando talvez pelos favores da fêmea, procurando arduamente o alimento na própria natureza, sem esperar, naturalmente, ser abatido por uma bala disparada por algum caçador sem coração.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 02/01/2013
Reeditado em 02/01/2013
Código do texto: T4064643
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