Filhos de ninguém
Que olhos são esses, tristes, sombrios, perdidos no vazio do ar? Que rosto é esse, desolado, sujo, molhado por lágrimas amargas? Que corpo é esse, franzino, disforme, sem jeito? Ainda corre sangue nessas veias? Ainda há sopro de vida nessas almas? Ainda há ar nesses pulmões doentios? Esperança? Um pouco, só um pouco, talvez? Há um resto de vida dentro desse esqueleto que insiste em aparecer sob a pele?
Que olhos são esses que insistem em procurar o impossível de se encontrar? Que olham para o nada, pois o nada é tudo que têm? Nada no passado, nada agora e nada no futuro também. Talvez o inesperado de um milagre seja o que mantem a vida? Uma luz, um pedaço de pão, a mão estendida? É isso que esperam?
Não sei o que ainda possam talvez esperar. Mas eu sei que olhos são esses. O olhar que vimos tantas vezes nos jornais, nos filmes, na televisão, eu sei muito bem de quem são. São das crianças pobres, abandonadas por todo o lado: na imensidão da África, na Ásia, em países civilizados também. Estão escondidas em ruas das cidades grandes, nos bairros pobres, nas favelas, nas esquinas...Esses garotos são nossos filhos também, que, como civilização, resolvemos abandonar, desconhecer. Sim, somos todos pais desses filhos. A mãe é a insensatez, a frieza, a ganância e a indiferença de nossa sociedade. Nem mais sentimos vergonha de deixá-los por aí. Nem sequer os consideramos nossos filhos. São filhos de outrem, são filhos de ninguém...Um dia, não se iludam, eles vão ser nossos algozes, vão ser nossos carrascos. Vão ser os bandidos que nos assaltam, que apertam o gatilho das armas que nos matam. E daí, vamos enfim prestar atenção. Vamos odiar com ódio justo os facínoras, os que um dia foram os filhos da rua, os filhos do mundo, os filhos de não sei quem...