O homem e o chifre
Do outro lado da rua alguém gritou para o Anu:
----Olha quem vem vindo ali, Anu!!!
O Anu, um mulato espigado de aproximadamente 30 anos, é daquele tipo que adora colocar apelidos nas pessoas e fazer coisas erradas só para depois se rachar de rir com o resultado das suas danuras. Alias, rir é o que ele mais gosta de fazer e foi exatamente isso que fez quando viu o Josiano atravessando a praça carregando uma enorme churrasqueira nos ombros.
Rapidamente ele correu para dentro da padaria e se escondeu no interior do banheiro, que tinha uma janela voltada para a praça de onde se avistava todos que passavam em direção à rua da igreja.
O Josiano, coitado, um nordestino mirrado e cheio de filhos, que tinha por prazer encostar-se com a sua mulher em um balcão de boteco para encher a pança de cerveja, ficava doido da vida quando passava por ali com a sua companheira e alguém o chamava de Tufão, um personagem de novela em que a mulher lhe metia o chifre, ou seja, traía-o com outros homens. E é lógico, quando o pessoal percebeu que aquilo o irritava, não deram mais sossego para o pobre do Josiano. Toda vez que ele passava o pessoal zombava com ele só para ver o infeliz se descabelar de tanto xingar.
No começo era só Tufão. Ele então, já meio bêbado, derramava um caminhão de palavrões e ameaçava todo mundo de morte. Depois começaram a chamar o infeliz de Tufão corno e chifrudo, o que o deixava ainda mais irritado. E quanto mais ele ficava nervoso, mais o pessoal dava risada e mais atazanavam com a sua vida.
E naquele domingo de sol abrasador, lá vinha o pobre Josiano com aquela enorme churrasqueira sobre os ombros, bufando e suando feito um burro velho, acompanhado da sua mulher, que caminhava trôpega logo atrás dele visivelmente embriagada. Assim que começaram a atravessar a praça em direção à rua da igreja, o Anu berrou a todo pulmões:
-----Ai, Tufão! Tá carregando o chifre?
O Josiano virou-se rapidamente em direção de onde tinha vindo à voz e retrucou:
----Eu tô carregando o rabo da sua mãe, seu desgraçado!!!
O Severino ficou completamente possesso. Foi palavrão pra tudo quanto era lado.
Não precisa nem dizer, teve gente que até rolou no chão de tanto rir.
E o Josiano, depois de ter esparramado a sua enxurrada de intempéries, chamou pela mulher, que estava discutindo com alguns rapazes sentados na escada da granja e foi-se embora soltando chispas e faiscas pelos quatro cantos do corpo. Vez ou outra voltava-se para desferir algum nome feio para as pessoas já distantes, que não paravam de rir diante da comicidade da cena.
Assim que ele sumiu lá no fim da rua as pessoas se esqueceram de tudo aquilo e a praça voltou a sua normalidade como se nada houvesse acontecido.
As atenções agora eram todas para a perua do vendedor de ovos, que vinha subindo a rua com seu alto falante no último volume, anunciando 30 ovos por dez Reais.