Estranhas Formas de Vida

Forma 1: Ana Maria tem 13 anos. Paulo Ricardo tem 14. Ela o seduziu num baile funk e teve um filho dele. Ana estuda numa escola pública. Paulo Ricardo foi morar em Belém. Vivem de uma curta pensão dada pelo pai de Ana, que abandonou a família. Ana Maria vai aos bailes funks nos fins de semana. Giovani é cuidado pela mãe de Ana, que está desempregada.

Forma 2: Isabel tinha um apartamento, herança do marido falecido, juntamente com a pensão vitalícia. A filha pede dinheiro mensalmente para resolver suas dificuldades de classe média, como viajar e trocar de carro. O apartamento acaba de ser vendido para que a filha possa comprar um (vistoso) para ela. Isabel vai para uma “casa de idosos”.

Forma 3: Inácio é alfaiate aposentado e tem 98 anos. Mora sozinho no salão da antiga alfaiataria. Como ouve pouco e viveu muito, já não tem amigos. Vai para uma mesa do Café Januário, fuma seu cigarro, olhando para o infinito. Dorme com a cabeça recostada na coluna.

Forma 4: Judite é pobre, negro e homossexual. Anda com um saco nas costas. Seu verdadeiro nome não é Judite, é claro. Mas ninguém sabe o nome dele. Há tempos andava com a amiga Joana-Sem-Calça. Vive de caridade, de pratos de comida de restaurantes, roupas doadas, sapatos imprestáveis. Faz anos que não tem namorado.

Forma 5: Darci é engenheiro e vive com os pais. Faz biscates em pequenas obras que são conseguidas pela mãe. Quando consegue dinheiro paga uma prostituta fixa, por quem é meio enamorado. Ela o despreza, mas ele não percebe. Faz amor muito rapidamente, em função do longo tempo de espera. Tem bronquite asmática e fuma um cigarro atrás do outro.

Forma 6: Suelen cuida carros na praça central. Ao mesmo tempo fica de olho nos filhos que fazem malabarismo, com limões, no sinal da esquina. Ela os cuida, na verdade, para ter noção do dinheiro que eles recebem. Assim garante que eles não vão usar o ganho em crack. Já não tem nenhum carinho por eles, apenas os preza como fonte extra de renda. Se um deles fosse atropelado, isso abalaria a sobrevivência dela própria. Pensa em ter outros filhos, como garantia.

Forma 7: Pedrinho é filho único de um magnata da indústria. Não trabalha. Tem carro importado. Usa heroína. Já foi assaltado e seqüestrado. Entra em sítios de pornografia infantil na Internet. Reclama da mesada que o pai dá. Vivem às turras. A mãe, alcoólatra, não se mete, com medo do divórcio ameaçador. Pedrinho bate na namorada.

Forma 8: Sérginho trabalha no Banco Itaú. É solteirão. Faz o mesmo serviço burocrático repetidamente, diariamente, semanalmente, anualmente. Como o salário é bom e vem com outros benefícios, não reclama, nem se mete em propostas ilegais. Mas quer ser baterista de rock. Treina na garagem nos fins de semana. Imagina-se um Keith Moon.

Forma 9: Júlia é cabeleireira, divorciada do marido drogadito, com uma filha com necessidades especiais. Trabalha 10 horas por dia em salão próprio. Com isso, sustenta a família: mãe idosa, irmã com obesidade mórbida. Assina a revista “Ana Maria”. Sonha em ser modelo, mas está engordando a olhos vistos. Júlia vai para a balada nos finais de semana e fica com diferentes parceiros. Está grávida, mas ainda não sabe.

Forma 10: Fernando tem 30 anos e mora com a mãe controladora, por quem é apaixonado. Ele está desempregado. Joga na Mega-Sena. Ela, católica fervorosa, sonha casar o filho com uma virgenzinha, que cuide dos dois. Ele é fã número um de Norman Bates.