Bundinha de Neném

O pai, de filha única até então, adorava exibir sua cria, sempre linda, de cabelinhos lisos e bem penteados, recém saída do banho, cheirando a talco “Gessy”, nas manhãs de domingo. Porque era o único dia de folga dos operários da época, e ele era um.

No bairro pacato, as ruas ainda eram de terra e as charretes ou carroças – nunca soube ao certo a diferença entre uma e outra – passavam carregando as compras feitas pelos moradores no “Armazém do SESI” ou entregando leite, que vinham armazenados naquelas vasilhas bojudas de alumínio, e era despejado nos litros gordinhos de vidro do próprio freguês.

Ao redor da “Praça do Coreto” ficavam os bons comércios do bairro, tais como o “Armazém do SESI”, a “Loja da Estamparia”, a “Barbearia do Seu Toninho”, o “Bar do Bonadia”, a “Venda da Dona Maria” e o “Açougue do Côco”. Também estavam ali o Grupo Escolar, o Ginásio e o Cinema, que às vezes se transformava em clube.

No coreto da praça, quase sempre, tinha uma banda tocando, principalmente naquelas manhãs de domingo, em que o pai saía para passear e exibir sua filhinha para os moradores do bairro. Ele seguia com a garota no colo, ou nos ombros, ou de mãos dadas, andando de vagarinho porque ela mal aprendera a andar. Davam uma volta na praça, sentavam-se, juntos, num “banco de pedra”, cumprimentavam os conhecidos que, por sua vez, faziam uma brincadeirinha ou outra com a menininha, sempre elogiando a sua beleza e cuidados.

Depois do pequeno passeio, pai e filha paravam no “Açougue do Côco” para comprar a carne de domingo e levar para o almoço.

No “Açougue do Côco”, aos domingos, antes do almoço, os amigos do bairro que, na sua maioria, eram também colegas de trabalho, se encontravam e “batiam papo” por alguns minutos.

E no açougue, na manhã de um domingo, pai e filha estavam. Ela lindinha, cheirosa, bem arrumadinha e elogiada por todos. De repente, o Côco – açougueiro, disse ao orgulhoso pai: - Ela está muito linda, mas esqueceu de por as calças. O pai, enfurecido, voltou para a casa e se pôs a xingar a esposa pela “vergonha” que tinha passado. Na verdade, ele mesmo é quem tinha vestido a filha, mas precisava encontrar um culpado, e a coitada da esposa foi eleita. Afinal, naquela época, nem bundinha de neném podia ser mostrada.

Joana Méri Corrêa Martins
Enviado por Joana Méri Corrêa Martins em 31/12/2012
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