A crise de identidade dos Soteropolitanos
A crise de identidade dos Soteropolitanos.
Jorge Linhaça
Eu não sou, por natureza, muito paciente sobre certas coisas e confesso que a cidade de Salvador me propicia contato incessante com grande parte delas.
A parte positiva é que passada a raiva e tentando analisar o que se passa, vou buscar, dentro de minha ótica, e em outras fontes, qual seja a causa de tanta confusão cultural em Soterópolis.
A questão maior é que o soteropolitano não tem identidade própria.
Não, não recebam como ofensiva esta constatação. Ao longo do texto pode ser que encontrem algum trecho que lhes faça compreender esta minha visão.
Salvador é uma cidade de contrastes culturais e sociais maiores do que outras cidades que conheço. Já começa pela divisão entre Cidade Alta e Cidade baixa.
A primeira cheia de recursos, comodidades e a eterna atenção do poder público.
A segunda jogada às traças desde o tempo do onça.
Não por acaso a irmã Dulce escolheu a cidade baixa para dar forma às suas obras assistenciais.
É na cidade baixa que encontramos em cada esquina os resquícios do comportamento de uma colônia escravagista. As atividades “informais” exercidas predominantemente por afrodescendentes é uma versão atualizada “dos escravos de ganho” ou dos “negros forros”, ligadas geralmente a pequenos trabalhos braçais (Como por exemplo os “levadores de compras” que se postam nas entradas dos supermercados com seus carrinhos de mão em busca de “fazer um carreto” até a casa do cliente)
As centenas de tabuleiros de frutas, vendedores de queijo coalho assado, peixeiros a vender ( literalmente) o seu peixe de porta em porta, os carrinhos de mingau e de CDs e DVDs piratas que empesteiam o ar como minis trios elétricos, os carrinhos de lanches e salgados que percorrem as ruas em busca da freguesia fiel ou ocasional, no fim da tarde ganham a companhia de tabuleiros de acarajé e abará.
Ao longo da orla, centenas de ambulantes ou fixantes ( já que tem seus pontos fixos) vendem de tudo que se possa imaginar, principalmente cerveja , bronzeadores de origem duvidosa, chapéus e quinquilharias, e, como não poderia faltar, os tatuadores de hena unem-se ao mercado a céu aberto.
Por algum motivo, que provavelmente passa pelo hábito adquirido de gerações, o soteropolitano não se dá conta de que reproduz, ao longo de séculos o comportamento de escravos assalariados.
Como nos “Bons tempos do Império” não poderia faltar a gigantesca “festa da senzala” que hoje recebe o nome de “carnaval”. Aquele momento mágico em que qualquer plebeu pode curtir suas horas de nobreza.
Do outro lado da moeda, conscientemente ou não, as elites baianas, ou os que assim se consideram, ressentem-se até hoje da perda do status de “capital do Brasil”, já que D.João VI preferiu ir aportar na cidade do Rio de Janeiro com toda a realeza e nobreza lusitana ao invés de refugiar-se na Cidade da Bahia.
O soteropolitano ainda sofre de um complexo de superioridade que o faz acreditar que vive no melhor lugar do mundo. No entanto não faz o menor esforço para justificar essa crença. O descaso da população com o patrimônio público ( o que significa que é seu patrimônio também) fica mais do que patente com o hábito absurdo de empilharem lixo em entulhos em esquinas de praças e mesmo ao longo das avenidas da beira mar.
É claro que não falo de todo soteropolitano, mas infelizmente da maioria da população desta cidade que, se foi abençoada por Deus com belezas naturais impares , não encontra no povo o respaldo para manter-se tão atraente quanto poderia e deveria ser.
A falta de identidade do soteropolitano deve-se ainda aos movimentos que pretendem fazer de Salvador uma cidade mais africana que a própria África.
Que é preciso preservar a cultura negra, ou ao menos partes dela, não é discutível, é fato, mas é preciso que haja uma preocupação de encontrar a baianitude ao invés de uma africaneidade perdida nas brumas do tempo.
Além disso, é importante que os movimentos “negros” se conscientizem de que foram várias as etnias que aportaram na cidade de salvador, trazidas por navios negreiros da costa da África para cá. Cada etnia tinha sua própria maneira de se, seus próprios cultos e costumes. Querer ferver tudo isso num único caldeirão e considerar o resultado como uma cultura africana pura é um erro a ser evitado.
O soteropolitano precisa primeiro se descobrir soteropolitano para depois descobrir-se baiano e por fim perceber-se brasileiro.
O umbigo do mundo não é Salvador, as leis que valem em todo o país devem valer aqui também. As normas de trânsito devem ser respeitadas, as calçadas ( passeios) devem ser liberadas para que os pedestres possam caminhar por elas sem ter que se desviar de mesas de bar ou carros estacionados sobre o passeio.
As ruas devem ser utilizadas pelos carros e não pelos pedestres que insistem em correr risco de morte misturando-se aos veículos.
O soteropolitano precisa entender que a cidade é sua, mas também de todos os outros moradores ou visitantes. É preciso acabar com o “umbiguismo” latente e patente nesta cidade, onde a lei que mais vale é a do : “ Viva eu e dane-se o outro”.
Isso pode lavar ainda algumas gerações para ser conseguido, mas só será conseguido com a conscientização e mudança de comportamento da população em geral.
Enquanto a Senzala e a Casa Grande estiverem impregnadas no coração da população e aceitas como uma coisa absolutamente natural, Salvador vai continuar a ser um lugar pitoresco para se visitar sazonalmente por aqueles que desejam embarcar numa máquina do tempo e perceber os resquícios de um período colonial que já se passou há muito tempo.
Salvador, 30 de dezembro de 2012.