Visita indesejada

A voz saiu gutural de algum canto da sala.

__ Oi, Robergom...

Assustei-me. Afinal estava sozinho, dez horas da noite, casa

fechada, tudo realmente trancado, nos dias de hoje não se pode

facilitar, apesar de que o roubo vem até pela internet. Ouvi

novamente:

__ Oi, Robergom...

Aí os cabelos ficaram de pé, o corpo arrepiou-se, a tremedeira quis

fazer presença, a coisa ficou feia. Apanhei uma vassoura ( Vi num

filme ) e me armei.

__ Tô de brincadeira, não... É bom aparecer e parar com essa

pegadinha...

__ Não é pegadinha, a coisa é séria, mas procure ficar calmo que

vou me materializar...

Piorou. Materializar? A tremedeira marcou presença. De repente, no

sofá, pernas cruzadas, socialmente vestido, muito à vontade,

sorridente, fisicamente idêntico a mim, como um irmão gêmeo.

__ Então, surpreso? Achou o quê? Um fantasma? Um monstro? Um

ET? Mas eu me materializei assim pra gente ficar numa boa. Se eu

me mostrasse como sou... deixa pra lá...

Refeito o susto e já me adaptando à situação, perguntei:

__ Mas, afinal das contas, quem você é e o que quer comigo?

__ Posso me servir no bar? Adoro um papo regado a um bom Whisky, sem gelo, puro.

__ Pega dois...

__ Legal... eu sou a Morte.

Sentei-me de uma vezada só. Bebi o Whisky num segundo e nem

sequer disse uma palavra. A Morte na minha casa? De repente, eu

sozinho, sem nenhum problema de saúde, pelo contrário, cheio de

vida e planos, tanta coisa ainda pra fazer, família, meu netinho,

namorada, meus amigos, inclusive do Jornal do Ana Lúcia, e a Morte

chega assim, sem aviso, na maior cara de pau.

__ Calma, não se precipite, tô só dando uma passada por aqui, me

fazendo conhecer, me apresentando, num vim te buscar, ainda não.

Apesar de ter tido algumas oportunidades... se lembra quando você

foi pescar com o seu pai, e estavam no meio do pontilhão, de

bicicleta, você no quadro, e o trem apontou de repente? Foi a cont

de vocês pularem no rio com bicicleta e tudo... eu era o maquinista.

Cê tinha uns seis anos... e aquele cavalo louco que te deu um coice

quase pegando na sua cabeça? Eu que assustei ele... Lembra do

tiroteio, naquele assalto do Banco Tal, que a bala triscou a sua

testa e acertou a parede atrás de você? Eu que puxei o gatilho...

E por aí vai, era só um ensaio, um divertido ensaio... Aqui, meu caro

eu nasci junto com você. Surpreso? É assim com todo mundo. São

bilhões de pessoas e cada um nos tem ao lado, no dia-a-dia, pois,

como já disse, nós nascemos juntos. Agora, milhares estão

nascendo e nós, também, ali, coladinho, junto e misturado... mas

ninguém pensa nisso e então o caos, as diferenças sociais, misérias

corrupção, ambição, fome, doenças, guerras, violência de todas as

formas, o planeta sendo destruído em seu meio-ambiente; é claro

que existem aqueles que nos respeitam e procuram contribuir pela

preservação da vida como um todo... mas são tão poucos para o

tamanho do mundo, mas chega de filosofia... mais um? Vou tomar

mais um, depois desse discurso, eu mereço, né?

__ Pelo que você me diz, até o aneurisma que eu tive...

__ Não... há muito que tô só na espera. E ali eu achei que íamos

juntos, mas aquela oração que você fez, véio, até eu fiquei

comovido e concordei que ainda não era hora...

__ Então, quando vai ser?

__ Já disse pra você não se preocupar... é só uma visitinha, de vez

em quando vou passar pra gente bater um papo molhado. Aliás, tá

na minha hora, tenho que ir pro meu canto. Fui.