Sustos e mais sustos
 
 
 
                                                     
                      Não, não vou voltar a falar das minhas inseguranças psicológicas. O título da crônica até sugere tal pensamento. Fiquem tranqüilos, meus eventuais leitores. O que quero dizer é que, depois daquela minha grande descoberta, bem tardia, é verdade, sobre a deficiência dos professores de matemática, acabei de tomar um susto inesperado, desta vez com os gramáticos. Sim, um belo susto! Os que me conhecem mais de perto sabem que fui um aluno bom em português, história e em línguas, de maneira geral. Por essa razão, nunca desconfiei dos gramáticos, para mim, todos, sem exceção, quase que sagrados. Embora também me assustassem, pelo rigor com que ensinavam, não havia em mim  aquele complexo que tive da matemática. Mas o destino ladino, manhoso, me prega mais uma peça. Cai em minhas mãos, misteriosamente,  um livreto de um professor de literatura, dizendo textualmente o seguinte: Ao buscar nos gramáticos- quase todos de imerecida fama, seja por suas gritantes limitações intelectuais e culturais, seja, nos mais recentes e por acréscimo, por suas esdrúxulas e inúteis modernosidades- esta justificação teórica capaz de embasar as sanções no que tangia à pontuação, nada encontrei além de confusão e de idéias copiadas uns dos outros, idéias estas geralmente pouco claras e não raro equivocadas e até falsas. A tese desse professor é a de que uma pessoa que pensa de uma maneira organizada e que sabe exprimir-se com clareza verbalmente saberá naturalmente escrever e pontuar corretamente. E arremata dizendo que a pontuação não se refere apenas à sintaxe, mas, e essencialmente, à semântica, isto é, digo eu, o seu significado. Na sua originalidade, este professor quer dizer que ele dá mais atenção ao conteúdo semântico do que se escreve  do que à estrutura sintática da frase. Realmente, não temos sossego. Quando parecia que tinha dominado as regras de sintaxe, a técnica, eis que o mestre José Dacanal simplesmente chama essas regras de falsas. Não é pra se sobressaltar? Em uma coisa ele pontificou, ao resumir seu ponto de vista: em resumo, vã e inglória é a luta de quem tenta aprender a pontuar sem antes ter treinado sua capacidade de pensar e expor suas idéias ordenadamente. E isto, ainda, depois de ter algo a dizer, de possuir uma opinião, uma visão do mundo, depois de ter, em última instância, definido seus interesses pessoais, sociais e históricos. É por isto que dá pena ver as confusões em que se enredam alunos e professores de Língua Portuguesa ao tentarem ensinar e aprender a pontuar sem levar em conta premissas tão elementares. Dessa leitura me ficaram dois grandes ensinamentos, novamente com bastante atraso: 1. Que a frase possui uma estrutura sintático-semântica. O sentido das palavras somado à maneira como estas se ligam entre si, formando o que o professor chama de unidades sintático-semânticas; 2. Que se tivermos que falar em regra, há uma regra básica: jamais separar o sujeito do predicado ou o verbo do complemento; 3. Que paremos com o absurdo de dizer que a vírgula é uma pausa para a respiração!
                                     Continuando o papo através deste novo parágrafo até que deu para dar uma  respirada profunda, não acham? E só para aproveitar o tema, uma última coisa, deixei de colocar uma vírgula depois da palavras parágrafo, porque me pareceu opcional, já que não há ambigüidade na frase, qualquer um vai entender perfeitamente o significado. E para quebrar a aridez desta crônica, embora útil, no meu entender, que tal finalizar com um poema, bem virgulado,  do insuperável e agradável Manuel Bandeira? Aí vai, portanto, a brisa restauradora do nosso poeta maior:
                           “Vamos viver no Nordeste, Anarina.
                           Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
                            Deixarás  aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
                           Aqui faz muito calor.
                           No Nordeste faz calor também.
                           Mas lá tem brisa:
                           Vamos viver de brisa, Anarina”.

Nota:   Esta  antiga crônica está sendo republicada, lida apenas por quatro recantistas.   Meu abraço fraterno para meus amigos e amigas do Recanto, desejando um Feliz Ano Novo, repleto de boas realizações. Retornarei em janeiro, com a publicação de um poema, para começar bem o ano. Gilberto