NO CEMITÉRIO
NO CEMITÉRIO
Aquilo sim era amigo leal, do peito, perfeito. Nos idos da década de sessenta, no interior de uma pacata e isolada cidadezinha chamada Vaporé residia uma família, dessas que ninguém sabia de onde vieram ou porque estavam ali.
Seu Lício, homem forte, alto e sisudo, não mostrava os dentes, trazia um enigma de vivência, ficha suja? Talvez um misterioso assassinato? Um peso de consciência!
Sua esposa, mulher boa, prestativa e sempre feminina, só o trabalho lhe servia, prestimosa dona de casa. Na roça, um boi para o serviço, como diziam os lá de Vaporé. Mãe de dois filhos: o mais moço ainda dependia dos cuidados da mãe, já o mais velho servia para afazeres domésticos e os cuidos do irmãozinho.
Com a chagada da primavera também chegava a época de plantio da roçada. Pai e mãe na lavoura e os dois meninos em casa nas pequenas tarefas. Uma arma, uma curiosidade e ...que horror. Na pequena palhoça uma vida e uma morte e o desespero dos pais ao chegarem e tal cena encarar. De quem é a culpa, isso agora não importa! A tristeza lavava o rosto daquela mãe, que ao passar a noite ajudando lavar, arrumar o defunto e pregar as tábuas daquele infernal caixão.
Como tudo era muito sem recursos, tudo longe, tudo difícil, o jeito foi realizar o funeral ali mesmo, entre família. O porquê? E se a polícia fosse investigar, e se o delegado quisesse saber de onde vieram, e se Lício tivesse que apresentar seus documentos? Tudo correu no mais completo mistério, que intrigou os transeuntes que ao encontrarem aquele funeral que passava de lugarejo em lugarejo, à beira da estrada até chegar no cemitério de Rio Bandeira, onde alunos da escola ao lado do cemitério, por curiosidade avolumaram o cortejo até a cova, o pai com o caixão no colo, que montava um cavalo, a mãe com o caçula, também montados se dirigiam à cova aberta por um contratado à beira da estrada, apenas para cavar, e nada mais. E Nero, o fiel cão da família, o mais leal naquele instante acompanhava todo o percurso cabisbaixo e silencioso. Sentou-se ao lado da cova, olhar perdido, mas fiel, acompanhava os últimos instantes de Pedro, menino bom e interesseiro, que tinha em seu cão um amigo, um conselheiro, nas horas de solidão.
A pequena escolinha rural esvaziou-se, nem a professora continha a curiosidade daquelas crianças, que sem nada entender perplexas acompanhavam o sepultamento daquele pobre cristão. Caixão enterrado, orações feitas, despedidas! Pobre Nero!
Ninguém conseguia tirar Nero do cemitério, que a todo instante cavava para desenterrar seu amigo, seu dono, seu cúmplice. Uivou e decidido ficou ao lado da sepultura de Pedro.
Pedro, que podia ser salvo talvez, mas o mistério que envolvia a família não permitiu nem choro, nem vela, apenas o silêncio de uma cova funda.
O silêncio dos inocentes!
Ilza Ribeiro Gonçalves. Graduada em Letras pela Unioeste/Cascavel. Professora de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio Estadual Desembargador Antônio Franco Ferreira da Costa, Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná, inserida no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE 2009-2011.