O DISTRAÍDO
Imagino, sem precisa conclusão, as impressões de que são causa os meus escritos. De algum modo, positiva ou negativamente, elas se formam na interpretação, na imaginação criadora do leitor, especialmente o que só me vê nas frases que escrevo. Entre mim e ele se estabelece uma relação subjetiva, por mais denotativo que seja o texto. Esta subjetividade, implícita na ausência, transparece na palavra escrita e, muitas vezes, supera a leitura visual, audível e palpável de um contato físico. E como tudo isto é relativo, não tenho dessas impressões uma ideia perturbadora. Entre os que me leem há os que gostam de mim e do que escrevo; há os que gostam do que escrevo, mas não gostam de mim; há os que gostam de mim, mas não gostam do que escrevo; há, finalmente, os que não gostam de mim nem do que escrevo. Estes, contudo, muitas vezes se equiparam aos que verdadeiramente gostam do que escrevo e de mim: são meus leitores mais atentos e meus críticos mais construtivos.
À parte o que pensa o leitor sobre o que escrevo, imagino as impressões que ele tem sobre mim. Prefiro arriscar, sem falsa modéstia, no que ele me imagina por culpa de alguma das minhas inabilidades: metido, vaidoso, seleto, formal, casmurro, temperamental, genioso, vingativo, e até preconceituoso. Se tudo isso aparento está na leitura do que escrevo, mas eu isento o leitor. O que ele em mim não percebe é um predicado que a mim atribuo: distraído. Consigo ser distraído sem ser desorganizado. Mantenho minha própria disciplina, mas deslizo em alguns descuidos. É pra rir mesmo, leitor, deste contraste absurdo. Mas há outros quase inadmissíveis a mim, aparentemente certinho, e em muitas coisas metódico. No ato de escrever, por exemplo, sou um desatento revisor dos meus textos. Publico-os, e só depois de algumas releituras percebo um equívoco digital (ou gramatical. Por que não?). Sou capaz de grafar o meu nome errado, como já o fiz em alguns e-mails. Duvida? Pois bem, se me desconcentrarem eu ponho creme de barbear na escova de dente, troco açúcar por sal, e outras coisas.
Quando solteiro, numa das vezes que vesti a camiseta pelo avesso só percebi uma quadra após. Atrás de um prédio fiz a troca enquanto algumas vozes diziam "Uau!"... E aplaudiam. Eram duas meninas me vendo pagar aquele mico. Talvez achando chinfrim o meu físico nada sarado. Veja caro leitor, não sou tão quanto pareço ou os meus textos confundem. Posso até, como Brás Cubas, parodiar "com a pena da galhofa e a tinta da melancolia" e dizer, como lá no texto bíblico: sou "simples como as pombas". Mas tão distraído que só agora percebi haver atingido cem mil leituras, o que não é lá grande coisa para quem há quatro anos publica no Recanto das Letras. Quem merece distinção e louvor é você leitor, que me aturou neste e noutros textos. Obrigado.
Imagino, sem precisa conclusão, as impressões de que são causa os meus escritos. De algum modo, positiva ou negativamente, elas se formam na interpretação, na imaginação criadora do leitor, especialmente o que só me vê nas frases que escrevo. Entre mim e ele se estabelece uma relação subjetiva, por mais denotativo que seja o texto. Esta subjetividade, implícita na ausência, transparece na palavra escrita e, muitas vezes, supera a leitura visual, audível e palpável de um contato físico. E como tudo isto é relativo, não tenho dessas impressões uma ideia perturbadora. Entre os que me leem há os que gostam de mim e do que escrevo; há os que gostam do que escrevo, mas não gostam de mim; há os que gostam de mim, mas não gostam do que escrevo; há, finalmente, os que não gostam de mim nem do que escrevo. Estes, contudo, muitas vezes se equiparam aos que verdadeiramente gostam do que escrevo e de mim: são meus leitores mais atentos e meus críticos mais construtivos.
À parte o que pensa o leitor sobre o que escrevo, imagino as impressões que ele tem sobre mim. Prefiro arriscar, sem falsa modéstia, no que ele me imagina por culpa de alguma das minhas inabilidades: metido, vaidoso, seleto, formal, casmurro, temperamental, genioso, vingativo, e até preconceituoso. Se tudo isso aparento está na leitura do que escrevo, mas eu isento o leitor. O que ele em mim não percebe é um predicado que a mim atribuo: distraído. Consigo ser distraído sem ser desorganizado. Mantenho minha própria disciplina, mas deslizo em alguns descuidos. É pra rir mesmo, leitor, deste contraste absurdo. Mas há outros quase inadmissíveis a mim, aparentemente certinho, e em muitas coisas metódico. No ato de escrever, por exemplo, sou um desatento revisor dos meus textos. Publico-os, e só depois de algumas releituras percebo um equívoco digital (ou gramatical. Por que não?). Sou capaz de grafar o meu nome errado, como já o fiz em alguns e-mails. Duvida? Pois bem, se me desconcentrarem eu ponho creme de barbear na escova de dente, troco açúcar por sal, e outras coisas.
Quando solteiro, numa das vezes que vesti a camiseta pelo avesso só percebi uma quadra após. Atrás de um prédio fiz a troca enquanto algumas vozes diziam "Uau!"... E aplaudiam. Eram duas meninas me vendo pagar aquele mico. Talvez achando chinfrim o meu físico nada sarado. Veja caro leitor, não sou tão quanto pareço ou os meus textos confundem. Posso até, como Brás Cubas, parodiar "com a pena da galhofa e a tinta da melancolia" e dizer, como lá no texto bíblico: sou "simples como as pombas". Mas tão distraído que só agora percebi haver atingido cem mil leituras, o que não é lá grande coisa para quem há quatro anos publica no Recanto das Letras. Quem merece distinção e louvor é você leitor, que me aturou neste e noutros textos. Obrigado.