UMA HISTÓRIA DE AMOR

Eu e meus irmãos nascemos numa cidade do interior. Um lugar bom para se viver quando se é criança, pois tínhamos espaço para correr, brincar e sermos felizes. Meus pais trabalhavam muito para trazer nosso sustento, mesmo assim, achávamos que tudo estava às mil maravilhas e que não precisávamos de mais nada.

Meu pai chegava da roça, cansado da lida. Muitas vezes o via na varanda da casa, com o olhar parado, voltado para o cair da tarde, segurando a cuia do chimarrão. A expressão de seu rosto era de quem passou a vida sofrendo ou esquecendo-se de si para doar-se a nós que ainda éramos crianças e dependíamos de cuidados e carinhos. Ele era um homem alto, forte, responsável, honesto e de poucas palavras. Nunca deixou de nos afagar quando chegava da rua e muito menos de se preocupar com as nossas atividades do dia. Perguntava de um por um o que havíamos feito. Difícil era compreender as respostas que vinham numa enxurrada de palavras infantis e fantasiosas. Ele sempre ria de algo ou de alguém, dando importância a um fato corriqueiro.

Descobri, mais tarde, que, naquela época, meu pai só tinha quarenta anos e que os cabelos brancos e as rugas haviam se antecipado devido ao sol e às preocupações para sustentar os cinco filhos. Era um homem trabalhador. Nunca o vi sem fazer nada. Estava sempre lidando com as plantações, ora plantando, ora colhendo, ora vendendo o que produzia. Tinha medo de temporais e rezava para chover quando a seca ameaçava a próxima colheita.

Os meninos o ajudavam no serviço da roça. Eu e minha mãe éramos responsáveis pelos afazeres da casa. Nada impedia, porém, que as funções fossem trocadas. Diversas vezes ajudei na colheita ou no preparo dos produtos que seriam levados para vender na feira. Muitas vezes meus irmãos ajudaram a limpar a casa e a fazer os doces e as compotas. Nossa rotina era em torno dos frutos que vinham da terra.

Minha mãe casou-se cedo e logo teve seus filhos que vinham um a cada ano. Já havia perdido a vaidade de moça ainda aos vinte e cinco anos. Na maioria das vezes, prendia os cabelos com um lenço para passar horas na boca do fogão à lenha para fazer suas receitas que seriam vendidas na feira da cidade, todos os sábados. Era uma excelente cozinheira e boleira de mão cheia. Conhecia como ninguém as frutas e legumes que podiam virar doces e compotas. Enchia a casa de um cheiro gostoso de bolo e frutas. Caprichava na hora de fazer as embalagens dos vidros e etiquetava seus produtos com uma letra desenhada à mão. Mamãe tinha dons artísticos e culinários que causariam inveja a qualquer um. Tudo o que tocava ficava muito bonito e bem acabado. Vinham senhoras de longe para fazer encomendas com ela e isso a enchia de orgulho. Estas atividades, muitas vezes, socorreram as despesas da família, principalmente quando uma chuvarada ou uma geada rigorosa ou uma estiagem comprometiam as colheitas na roça.

Lembro que a vida de meus pais sempre foi em torno da terra e dos frutos que ela nos proporcionava. Eu e meus irmãos dividíamos nosso tempo entre a escola e o serviço de casa. E cada um tinha suas tarefas para cumprir conforme a idade. Quanto mais velho íamos ficando, mais coisas nós tínhamos que assumir.

O tempo que trazia a nossa juventude era o mesmo que deixava nossos pais mais casados e idosos. Um dia, meu pai adoeceu e não conseguia mais trabalhar. Fazia um ou outro serviço, mas começou a deixar as tarefas para meus irmãos e dois rapazes que pagava quando o serviço apurava. Era difícil vê-lo sentado na varanda, sem forças para o trabalho. A doença afetou seus movimentos e suas mãos tremiam sempre. Aos setenta e dois anos papai partiu. Foi um dia sem sol e de uma tristeza sem fim.

Minha mãe, por algum tempo, manteve-se firme nos serviços que fazia. Em um ritmo bem mais lento, é claro. Os meus irmãos se casaram e eu fiquei com minha mãe até meus vinte e sete anos.

Todos nós sempre a visitávamos. Enchíamos a casa do barulho dos netos que foram chegando. Mamãe envelheceu a tal ponto que já não conseguia trabalhar. Os bolos, os doces e as compotas que fazia eram, agora, degustados apenas pelos filhos e netos nos almoços de domingo. Mamãe partiu aos oitenta e três anos. Neste dia, chamou seus filhos e se despediu, dizendo que iria encontrar papai.

Descobri, somente agora, que esta foi a mais linda história de amor, dedicação, trabalho e companheirismo que já presenciei. Sinto-me realizada por ter feito parte destes momentos em que não imaginava o quanto era feliz. No entanto, só nos damos conta disso quando a vida também passa e vai deixando-nos aos poucos.

Luciane Mari Deschamps

Luciane Mari Deschamps
Enviado por Luciane Mari Deschamps em 27/12/2012
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