Ele

Brincava tranquilamente com seu cachorrinho e nem imaginava o que pudesse estar por vir. Percebeu que sua mãe falava ao telefone com uma expressão estranha. De longe, acompanhava cada passo, via as rugas de preocupação franzir-se no meio da testa de Luíza e a sua respiração tornara-se mais ofegante. Num esforço movido pela curiosidade infantil, se espichava, ficava na ponta dos pés, puxava a barra do vestido, tentando entender o que estavam conversando. Mas Luíza andava de um lado para o outro e ela não conseguiu ouvir nada. Sentiu um frio na barriga quando viu sua mãezinha chorando.

Não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que era algo muito ruim, ela mesma sempre chorava quando estava sentindo alguma coisa. Podia até nem ser uma dor daquelas de quando a gente dá uma topada ou corta o dedo, mas aquela dorzinha que fica lá dentro no peito, que parece que tem um monte de bichinho mordendo a gente. “Será que tem um bichinho mordendo a mamãe?”

Tinha apenas cinco aninhos, “um toquinho de gente”, mas uma enorme sensibilidade e percepção. Luíza pegou Dorinha no colo e a apertou intensamente, num abraço que parecia não acabar . Isso, reforçou ainda mais a sensação de que um “ bichinho estava mordendo a mamãe”.

Aos poucos Luíza se acalmou e disse para a filha que não se preocupasse, tudo ficaria bem. Começaram a se arrumar para uma viagem. Iam para a casa da vovó.

Durante a viagem pouco conversaram, Dorinha ia folheando os seus livrinhos de contos de fadas, ora ou outra mostrava e comentava com a mãe como eram lindos os vestidos das princesas, mas a conversa não ia adiante. Acabou adormecendo na cadeira do ônibus. Luíza bem que tentou dormir também, mas ficava imaginando como seria difícil explicar tudo para a sua filha, pedia a Deus para encontrar as palavras certas para confortar aquele coraçãozinho tão delicado. Quatro horas de viagem... Uma eternidade!

Quando o ônibus parou na rodoviária, Dorinha acordou eufórica tentando contar um sonho que tivera , mas Luíza já estava ao telefone chamando um táxi para pegá-las. Em dez minutos chegaram à casa da vovó Anita. Ao ver sua irmã mais velha, Luíza correu ao seu encontro, se abraçaram e choraram muito. Dorinha assistia a tudo. Enfiou-se no meio das duas “ Mãe, tia, parem de chorar, a vovó tá bem, eu sonhei com ela no ônibus, mas ela disse que não era um sonho não, era só um jeito novo que ela encontrou da gente conversar de hoje em diante, porque agora, sabe, ela foi morar num lugar lindo, onde tem muitos anjos e é cheio de luz . Vovó falou que encontrou o papai lá, mãe... e disse que ele não contou pra mim como era lá, porque eu ainda era um bebê e não ia entender nada, então ele aproveitou que agora eu já sou uma mocinha e pediu para a vovó me explicar tudo. Ela me contou um monte de coisa! Ah, e já ia esquecendo , ela também avisou que era para eu não deixar vocês ficarem chorando à toa, ora essa !”

Sem saber exatamente o que estava acontecendo, as irmãs olharam-se espantadas. Naquele momento Luíza teve a certeza da presença de Deus em sua vida. Só Ele para confortar de maneira tão bela o coração daquela criança.

Luciana Netto
Enviado por Luciana Netto em 27/12/2012
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