CIDADEZINHA DO INTERIOR
Luiz Celso de Matos
Éramos felizes e sabíamos. Nossa cidade era nos anos sessenta, predominantemente, de culto presbiteriano, seus praticantes, porém, não se antagonizavam com os que professavam outras denominações religiosas. Uma juventude sadia física e emocionalmente. Jovens predestinados a usufruir de momentos alegres e felizes. Não curtíamos a Maconha ou Cocaína. A maioria da juventude dessa cidade, usava de forma recreativa a bebida alcoólica. Acontecia, sempre nas tardes de domingo após uma festiva disputa de futebol entre nossa cidade contra alguma cidade vizinha. Nossos adversários sempre vinham sobre a carroceria de algum caminhão com vários torcedores. Raramente observávamos algum embate físico entre os torcedores. Quando ganhávamos, o barulho ficava por conta dos foguetórios estourados em profusão. Aí sim, os bares do Emiliano, dos Dib, e algum outros, lotavam e garantiam a renda do mês todo. Alguns excessos etílicos obviamente ocorriam. Não faltavam nessas ocasiões, as duplas sertanejas que não pagavam nada e promoviam seu merchandizing. Com a coragem adquirida pelos tragos ingeridos, os galãs de plantão dirigiam-se ao club da alta sociedade local: o Club Olimpico. Não faltava nunca um DJ (dee jay) para animar o matinê dançante. Músicas da Jovem Guarda, Ray Conniff, The Platters, estavam sempre nas seleções musicais. Quando se ouvia, Only You, eu fazia “fundo-branco” no copo e ia tirar minha garota apara dançar. Momento mágico.
Novos pedidos para molhar a garganta, desta vez, cubas-libres em abundância. Principalmente para os aprendizes da dança e receptores das “tábuas” das garotas exigentes pelo bom bailar. Os pé-de-valsas presentes faziam uso da bebida só para poder criar coragem para atravessar a pista de dança e tirar as donzelas que sempre estavam do lado direito da entrada do club. Aquela travessia, sem álcool, era maior que todo o percurso da Rota 66 nos EEUU. Se a garota recusasse a dançar (táboa) , com o vivente que ainda não tinha bebido nada até então, este, era candidato a ser levado para casa nas proximidades de um coma alcoólico. Tudo pela vergonha da recusa.
De segunda a sexta, estudo pela manhã e a tarde, apanhar o bote (canoa) o varejão, vara de pescar e subir o Jaguaricatu até a cachoeira onde o rio era piscoso e abrigava os maiores lambaris. E a volta da pescaria então? Colocávamos o varejão sobre o interior do barco, lançávamos punhados de farinha de milho e empunhando a vara de pescar, vínhamos descendo o rio com a vista nas maravilhas da natureza, com os ouvidos receptivos aos melódicos sons produzidos pelas aves e outros habitantes das margens. No meu caso, quando chegava perto da ponte rodoviária que cortava o centro da cidade, puxava a canoa a terra firme pela corrente, prendia a mesma com um cadeado. Aí ia tomar meu banho. Após algumas braçadas, voltava à margem deitava e ficava olhando as nuvens, pensando no tudo e no nada ao mesmo tempo.
Após o jantar, o “cumpadre” Nivaldo Branco passava defronte a Coletoria Estadual onde eu morava, assoviava e eu saía de casa com ele descíamos a rua em direção a pracinha central onde lá estavam outros amigos. Por volta das 20h, ouvíamos o trem que tinha partido pela manhã de Curitiba, apitar na curva e ainda distava de nossa cidade uns quatro quilômetros. Umas cinco quadras nos separavam da pracinha à estação ferroviária. Saíamos em louca disparada, atravessávamos a ponte, arriscando prendermos um pé entre os dormentes, o que seria fatal, pois, nem bem passávamos pela ponte e logo em seguida o trem aparecia. Na estação pobre dos viajantes. Famintos, ouviam de nós a oferta de produtos inexistentes. “Olha o milho verde”, “Pastelzinho de palmito quentinho”...Todos nós, tínhamos não mais que vinte anos. Era essa a nossa diversão semanal.
Completei dia 5 de dezembro 71 anos idade. Há quase 50 anos saí de Sengés Paraná, cidadezinha do interior, que faz divisa com Itararé do estado de São Paulo.
Quando entro no facebook e vejo as “Sengés Memórias”, amigos postando notícias e fotos fico sempre emocionado. Ali vivi os melhores dias da minha vida. Meus saudosos pais, Sebastião Cipriano de Matos e Dona Matilde, tenho certeza, levaram Sengés no coração; meus irmãos Luiza Helena, Luiz Gonzaga e eu, continuamos vivendo as maravilhosas recordações de Sengés.
“O impossível para os homens, é possível para Deus”, portanto, se no amanhã eu puder fazer algum pedido para Ele, não vacilarei em pedir para que promova um replay na minha vida no tempo que vivi numa pequena cidadezinha do interior chamada Sengés.