O presente de Natal

Saiu apressada do trabalho, já era véspera de Natal e ainda não comprara todos os presentes. A lista era enorme, como dar conta de tudo aquilo em apenas um dia? Decidiu ir a pé até o shopping mais próximo ao seu consultório. Era a forma mais rápida de chegar , tendo em vista o caos que a cidade se transformava, nesta época do ano.

Há muito tempo não fazia isso, caminhar pelas ruas da cidade. Mas estava com pressa e a agenda repleta lembrava- na de que o casal Saldanha teria uma sessão; difícil aceitar a prisão de um filho. Havia também a Consuelo Pimentel, complicado controlar os impulsos cleptomaníacos. E o senhor Peres, com a mania de comprar relógios, já não tinha mais onde guardar e o pior é que às vezes deixava de honrar um compromisso para comprar um relógio novo. Meu Deus, precisava se apressar.

Guardou a agenda na bolsa, mas antes pegou a lista de presentes que estava numa folha solta dentro da agenda e prosseguiu. Pelo caminho, foi olhando a enorme lista e acabou tropeçando num homem que estava sentado na calçada pedindo esmolas. Caiu sentada e viu seus pertences espalhados pelo chão, a carteira foi parar aos pés do pedinte, ficou assustada, queria pegá-la, mas teve medo da reação dele, continuou sentada , ali, parada sem saber como reagir.

O pedinte levantou segurando a carteira, olhou nos olhos dela e estendeu a mão para entregá-la. Depois lhe segurou pelo braço, oferecendo ajuda para levantar-se do chão: “Precisa tomar mais cuidado, senhora, olhar bem por onde anda, poderia ter se machucado. A vida é muito preciosa para andarmos distraídos”.

Aquelas palavras soaram como um punhal incandescente cortando o seu peito. Permaneceu ali, imóvel, o homem virou-se e foi caminhando para o outro lado da rua. Sentiu-se tonta, os olhos ardiam como se uma luz muito forte refletisse sobre todas as coisas que estavam ao seu redor. As palavras do pedinte ecoavam em seus ouvidos. Pela primeira vez não sabia qual seria o seu próximo passo: “A vida é muito preciosa para andarmos distraídos”.

Ela que estava acostumada a lidar com os problemas alheios, aconselhando, orientando, não sabia o que fazer naquele momento. Como um homem numa situação miserável daquelas, podia achar a vida preciosa?Queria também descobrir a preciosidade da vida, não queria mais andar distraída, queria entender as coisas mais simples, queria sentir o ar no rosto e perceber se estava quente ou frio , queria conhecer a essência da vida , entender como aquele pobre homem podia valorizá-la de forma tão sublime.

Procurou a lista de presentes que caíra de sua mão no momento da queda, fora parar um pouco adiante, levada por uma brisa leve e acabou ficando presa entre umas pedras que circundavam um canteiro na calçada. Ela puxou a folha e junto à pedra estava um folheto que dizia: "Enquanto a estupidez das pessoas acaba com o amor do mundo, Deus envia seus anjos para manter acesa a chama” (Mestre Azevedo). Olhou rapidamente para o outro lado da rua tentando avistar o pedinte novamente, mas ele não estava mais lá. Caminhou um pouco, pessoas passavam de um lado para o outro e nada daquele homem.

Sentiu novamente “o punhal incandescente queimando o seu peito” Prostrou-se ao chão e chorou intensamente. Agora tinha certeza, acabara de conhecer um anjo e dele recebera o melhor de todos os presentes de Natal.

Luciana Netto
Enviado por Luciana Netto em 26/12/2012
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