Madame, garoto e paixão.

Era um garoto pobre, de alma maltrapilha. Vivia da caridade dos motoristas, surpreendidos pelo seu sorriso franco e desnudo no farol. Muitos ficaram impotentes diantes do seus olhos famintos. Outros se prestavam a ignorar seus pedidos. Podia arder o sol ou o frio se acasalar com maestria divina que ele, impávido, não arredava pé do seu posto. Era um bravo, perdido nos cruzamentos. Um déspota com sangue arraigado de suor triste. Garoto entre seus 12 anos, podia ter mais, não importava. Alguns motoristas se traduziam fiéis nas respostas que o garoto recebia. Davam mantimentos, cobertores, doces e livros, muitos livros. Talvez vissem nele um Einstein a emergir. Ou um Villa-Lobos na espreita calada do momento de escorrer seus talentos ainda imberbes. Teve uma manhã que a madame, no reluzente carro conduzido pelo motorista, fez algo diferente. Abriu a porta e convidou o garoto a entrar. Embebido numa desconfiança atroz, ele titubeou pra decidir o que fazer. A madame, então, resfolegou seu convite com sorrisos e murmúrios que só os dois entendiam. Não foram necessários mais que dois minutos para que o garoto concordasse com a proposta. O carro partiu, no silêncio de uma calada manhã descortinada de outono. Nunca mais viram a madame e o garoto. Por certo também um deixou de ver o outro. Porque fundiram suas almas num resvalo único e, assim, seguiram seus acordes afinados com as filigranas escancaradas da paixão.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 25/12/2012
Reeditado em 25/12/2012
Código do texto: T4052901
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