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Atiraste Uma Pedra...


Ela me pedia, entre gemidos, que a ajudasse a levantar-se da cama de hospital, após uma dolorosa cirurgia que, pelo que tudo indicava, não tinha dado certo. Eu tentava acalmá-la, segurando-lhe a mão e dizendo que não podia levantar-se ainda, e mentia, dizendo que na manhã seguinte, tudo ficaria melhor.

Ela delirava, ás vezes, dizendo coisas que eu não conseguia compreender. Percebi que muitas e muitas vezes, tentava fazer o sinal da cruz, e sem querer, arrancava do dedo o aparelhinho que media suas batidas cardíacas, fazendo a máquina apitar. Eu o colocava de volta, e segurando-lhe a mão, tentava distraí-la:

-Quer rezar uma Ave-Maria?
Ela murmurava: "Hã-hã..."

E eu começava, o coração vazio das palavras que eu mesma proferia. À sua maneira, ela tentava acompanhar minha oração, e ao final, tentava fazer o sinal da cruz. Os olhos sempre fechados, estava inquieta, e dizia que estava morrendo.

De repente, o inusitado: debaixo da janela do quarto, já às nove da noite, um grupo de seresteiros começa a tocar:

"Atiraste uma pedra
No peito de quem
Só te fez tanto bem..."

Pela primeira vez, ela abriu os olhos, e fitando a parede branca, pareceu acalmar-se de repente. Acho que estava se lembrando do seu grupo de idosos, e de quando costumava reunir-se com eles nas tardes de sábado a fim de dançar e ouvir serestas. Menti mais uma vez:

-Viu só, mãe? Está ouvindo a seresta? É para você! Seus amigos vieram aqui tocar para você!

Ela soltou novo gemido de dor, fechando os olhos. Mais uma canção, e os seresteiros se foram. Mais tarde, ao ajeitar a colcha da cama, percebi o lençol empapado de sangue. Tivemos que trocá-la. Jamais esquecerei o cheiro do sangue.

Depois daquilo, ela foi definhando cada vez mais.

A morte jamais será algo bonito de se ver.
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 25/12/2012
Reeditado em 11/02/2014
Código do texto: T4052682
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