William Shakespeare foi mesmo o autor das obras literárias que levam seu nome?
William Shakespeare foi mesmo o autor das obras literárias que levam seu nome?
Problemas básicos
As peças de Shakespeare revelam um extraordinário domínio de assuntos seculares. Por exemplo, ele tinha bom conhecimento de direito e seu uso de linguagem e precedentes jurídicos impressiona. Em 1860, na obra Medical Knowledge of Shakespeare (Conhecimentos Médicos de Shakespeare), Sir John Bucknill mostrou que Shakespeare conhecia a medicina a fundo. Pode-se dizer o mesmo a respeito de seu conhecimento sobre caça, falcoaria e outros esportes, bem como da etiqueta da corte. Ele era, como diz John Michell, historiador especializado em Shakespeare, “o escritor que sabia tudo”.
Naufrágios são mencionados cinco vezes nas peças de Shakespeare, e o emprego de termos náuticos sugere que o escritor era um navegador experiente. Teria Shakespeare viajado para o exterior? Foi recrutado para servir na marinha? Participou na derrota da Armada Espanhola em 1588? Quaisquer dessas hipóteses, se comprovadas, atestariam a autoria de Shakespeare, mas não há evidências comprobatórias. O mesmo se dá com relação ao seu domínio dos assuntos militares e da linguagem dos soldados de infantaria.
Suas obras contêm muitas citações da Bíblia. É possível que ele as tenha aprendido com sua mãe, mas não há evidência de que ela fosse alfabetizada. Seu conhecimento da Bíblia leva à questão de sua instrução.
Um homem letrado?
John, o pai de William, um luveiro, negociava com lã e era possivelmente açougueiro. Era um cidadão respeitado, embora analfabeto. Não existe hoje nenhuma lista de alunos do colégio de Stratford, mas a maioria das autoridades hoje acham que o jovem William estudou lá. Anos mais tarde, o dramaturgo Ben Jonson, amigo de William, disse que Shakespeare “tinha pouco conhecimento de latim e menos ainda de grego”, o que pode indicar que a instrução de Shakespeare era rudimentar.
No entanto, o escritor das peças era um grande conhecedor dos clássicos gregos e romanos, da literatura — e possivelmente das línguas — da França, da Itália e da Espanha. Ele também tinha um vastíssimo vocabulário. Um cidadão bem instruído hoje em dia raramente usa mais de cerca de 4.000 palavras na conversação. John Milton, poeta inglês do século 17, empregou umas 8.000 palavras em suas obras. Mas segundo certa autoridade, Shakespeare empregou um vocabulário de nada menos que 21.000 palavras!
Livros e manuscritos
Todos os pertences de Shakespeare foram cuidadosamente
relacionados no seu testamento de três páginas, mas não há nenhuma menção de livros ou manuscritos. Teriam sido deixados para Susanna, sua filha mais velha? Nesse caso, com certeza teriam sido distribuídos entre os descendentes dela. Intrigado com o mistério, um clérigo do século 18 revirou todas as bibliotecas particulares dentro de um raio de 80 quilômetros de Stratford-upon-Avon sem descobrir um único volume que tivesse pertencido a Shakespeare.
Os manuscritos das peças representam um problema ainda maior: não se sabe de nenhum original que tenha sido preservado até hoje. Trinta e seis peças foram publicadas na edição in-folio de 1623, sete anos após a morte de Shakespeare. No decorrer de sua vida surgiram muitas edições piratas, mas Shakespeare, um esperto homem de negócios, não tomou nenhuma medida legal para impedir sua publicação.
A fama em Londres
No período Elisabetano, era comum haver trupes de atores itinerantes, e alguns deles visitaram Stratford-upon-Avon em 1587. Caso Shakespeare tenha se juntado a eles, teria estado em Londres no outono daquele ano. Sabemos que se tornou membro da mais importante companhia teatral de Londres, a Lord Chamberlain’s Men, mais tarde conhecida como King’s Men. Quando chegou à capital, sua vida mudou. No decorrer dos anos, ele adquiriu propriedades em Londres e em Stratford-upon-Avon. Mas o importante período de 1583 a 1592 é obscuro, pois não se sabe ao certo o que ele fez durante esses anos.
O teatro Globe foi construído em Southwark em 1599. Antes disso, peças com o nome de Shakespeare eram populares em Londres, mas ele nunca ficou conhecido como o autor delas. Na sua morte, não houve um grande funeral, embora outros dramaturgos, como Ben Jonson e Francis Beaumont, tenham sido enterrados com muita pompa na abadia de Westminster, de Londres.
A questão da escolaridade e do nome
William Shakespeare possivelmente assinou seis vezes em quatro documentos que se acham preservados. Porém seu nome é apenas parcialmente legível, havendo várias grafias. Algumas autoridades sugerem que advogados talvez tenham assinado o testamento de Shakespeare por ele, o que para alguns levanta a melindrosa pergunta: Será que William Shakespeare era alfabetizado? Não há manuscritos que ele mesmo tenha escrito. Sua filha Susanna sabia assinar o nome, mas não há nenhuma evidência que soubesse mais do que isso. A outra filha de Shakespeare, Judith, que era achegada ao pai, assinava com um sinal. Ela era analfabeta. Ninguém sabe por que Shakespeare não deu às suas filhas condições de usufruir do inestimável benefício da literatura.
Possíveis autores
Teria o nome Shakespeare sido usado para esconder o nome do verdadeiro autor, ou mesmo autores? Sugeriram-se mais de 60 possibilidades. Elas incluem o dramaturgo Christopher Marlowe, e nomes tão inesperados como o cardeal Wolsey, Sir Walter Raleigh e até a Rainha Elizabeth I. Quais deles são os mais plausíveis, de acordo com os teoristas?
A primeira possibilidade é Francis Bacon, educado na Universidade de Cambridge. Três anos mais velho do que Shakespeare, ele se tornou um advogado de destaque e autoridade da corte real, tendo sido responsável por muitas obras literárias. A teoria que atribui a autoria das obras de Shakespeare a Bacon foi inicialmente apresentada em 1769, mas foi ignorada por uns 80 anos. Em 1885 formou-se a Sociedade Bacon para promover a causa e muitos fatos foram apresentados em seu favor. Por exemplo, Bacon viveu uns 30 quilômetros ao norte de Londres, perto de St. Albans, cidade mencionada 15 vezes nas obras de Shakespeare, ao passo que a cidade natal de Shakespeare, Stratford-upon-Avon, nunca é mencionada.
Roger Manners, o quinto conde de Rutland, e William Stanley, o sexto conde de Derby, também têm os seus defensores. Ambos eram instruídos e conheciam bem a vida na corte. Mas que motivos teriam para esconder sua autoria? O professor P. S. Porohovshikov, que defendeu em 1939 a autoria de Rutland, disse: “Suas primeiras obras foram impressas anonimamente, e outras sob pseudônimo, simplesmente porque não era aceitável que um nobre escrevesse para teatros públicos.”
Alguns sugerem que as peças de Shakespeare são o produto de um consórcio de escritores, onde cada um contribuía com sua perícia. Por outro lado, como ator talentoso, teria Shakespeare editado e preparado para o palco peças escritas por outros? Diz-se a respeito dele que nunca ‘apagou uma linha’ de seus manuscritos. Isso poderia ter-se dado se ele editava textos de outros dramaturgos fazendo pequenos ajustes.
Qual é a principal razão de alguns duvidarem da autoria de Shakespeare? A World Book Encyclopedia diz que as pessoas “se recusavam a crer que um ator de Stratford-upon-Avon poderia ter escrito as peças. A formação comum de Shakespeare, na zona rural, não condizia com a imagem do gênio que as escreveu.” A mesma enciclopédia acrescenta que quase todos os outros que foram apresentados como autores “eram membros da nobreza ou da classe alta”. Assim, muitos que duvidam que Shakespeare tenha sido o autor acreditam que “apenas um homem instruído, sofisticado e nobre poderia ter escrito as peças”. Mas, conforme já mencionado neste artigo, muitas autoridades shakespearianas importantes acreditam que ele mesmo escreveu as obras.
Será que a controvérsia está para ser resolvida? Não é provável. A menos que surjam novas evidências, em forma de manuscritos originais ou fatos para preencher a lacuna dos anos obscuros, William Shakespeare, “esse supremo gênio da palavra”, permanecerá sendo um fascinante enigma.
Referências: Wat