"1 nova(s) mensagem(ns)"

Já não é mais ontem e eu nem acreditava que já era hora de viver de novo. Eu tinha dormido pouco, passei a noite rolando de um lado pro outro refazendo as cenas na minha mente. O sol queimava sem dó os meus olhos e eu já sabia que o calor fervilharia meu humor e era disso que eram basicamente feitos meus dias normalmente desagradáveis. Era só mais um dia quente como qualquer outro e isso não me fazia querer levantar da cama por nada. E só de pensar em ouvir aqueles bom dias automatizados que recebia pela manhã por pessoas que fingiam ter acordado bem e ter que olhar pra aquela parede com a pintura descascada eu me contorcia de desvontade. Aquela confraternização matinal era o que mais me irritava, ninguém realmente sabia o que queria desejar quando me cuspiam um “bom dia” com suas vozes saudosas e bem dormidas, eles só queria mostrar que eram educados comigo, mas pouco se importavam se meu dia seria bom mesmo. Eu os respondia educadamente também, mesmo balbuciados em códigos pra não soar tão falso, eu não queria fazer nada pra que muitos deles tivessem um bom dia, se eles tivessem nada mudaria na minha vida. Pode parecer até meio ranzinza da minha parte mas não o veria dessa forma, meu bom dia era algo mais elaborado, por não o completar durante muitas manhãs eu o avaliei com alto custo.

Aliás, hoje não é dos piores dias, fui presenteada com um sms de bom dia teu depois de querer me apaixonar na volta pra casa de um passeio bom contigo com gosto de churros no fim da tarde, disso eu consigo me lembrar bem, o ar era até mais frio quando perto de ti e, eu me sentia bonita naquela manhã, não estava mais me arrastando por aí meio “cor de saco de pão” e, se não fosses esses humanos que insistiam em existir perto de mim nesse calor, eu poderia até sorrir mais agora. Alguém deveria avisá-los que eu só sou mansa em dias de clima ameno e arrasta-los com suas coleiras pra longe de mim. Mas isso nem importava tanto, minhas mãos tinham com que se ocupar, eu digitava com afinco a resposta, você pôde sentir tudo isso nessas 6 letrinhas separadas por um ínfimo espaço? Demorei 25 minutos pra digitá-las no corpo da mensagem pra ver se realmente sairia valioso e passando o recado, que eu realmente, que eu verdadeiramente queria que tivesses um bom dia, daqueles bem pronunciados e com um sorriso de bônus, em alto e em bom som. Esse meu bom dia faria de tudo pra te soprar ar frio pra amenizar o calor, te traria um café forte bem quente e algumas frutas pra acabar com tua fome ao acordar, te ajudaria a separar tuas roupas antes da aula e te ouviria apaixonado reclamar das câimbras nos braços que eu te causava por adorar dormir em cima do teu braço esquerdo e de quão espaçosa eu fui. Eu te enviava e esperava calada que pudesses entender como eu o via.

Eu tomei um suco enquanto terminava algum texto que saia tão ácido quando os limões que estavas mortos e esmagados naquela garrafinha, mordia todas as tampinhas de canetas que achava na minha frente pra amenizar a ansiedade enquanto minha imaginação reinava tediosa esperando algum animal bem grande entrar aqui e destruir tudo. Você me perguntou se tava tudo bem em outra mensagem, e eu queria dizer que tinha lembrado de ti a minutos atrás, que todo esse meu tédio era culpa tua e que minha crise de odalexia tinha voltado e isso me preocupava, dizer que eu tava feliz porque tinha comprado um bloquinho de papeis que tinham cheiro de maça-verde e que aliás, tinha tentado te desenhar em uma das folhas enquanto falava ao telefone com aquele meu amigo que também tem nome de apóstolo, dizer que to tranquila desde que você apareceu e esse meu mau-humor não é de nada verdade, agradecer por teres perguntado, o que me fez sentir cuidada nos primeiros três minutos ao receber a mensagem e mostrar o meu interesse compulsivo de saber o que se passa contigo também o tempo todo, eu queria estar perto pra ver se seus dedos eram rápidos ao digitar, saber se lembrastes de mim também, e se tua noite de sono foi agradável ou se teve sonhos ruins ... “tudo sim, e cntg?”. E saia sempre dessa forma, curta e grossa.

Tinha quase certeza que você demoraria a responder e esperava que fosse diante a tanta informação, mas era só porque estavas em uma das aulas chatas da tua faculdade e não prestava tanta atenção em mim. Eu queria te distrair também, com o mesmo efeito revigorante que fazias diante aos meus tédios. E logo estava lá você, trapaceando a minha ideia de demora e apitando no meu colo com seu “tudo” soado tão melhor se pudesse ouvir tua voz grossa e cansada. Era uma resposta de um bloco cru de carne, osso e sangue que perdia seu tempo e exercitava seus músculos pra conversar comigo, mesmo tão machucado como parecia. E, me fazia bem saber que era comigo que estavas agora, mesmo em cantos diferentes da cidade. Teu “tudo” me diz que apagou cansado durante a noite, que acordou com o despertador mas queria ficar um tempo a mais na cama, que também sente tédio e quer que eu pareça interessante e que continuas machucado, reservado e que prefere não tagarelar como eu. Aquela era minha sina nele, se mostrava sempre centrado, mas se pudesse roçaria com a cabeça nas minhas pernas pedindo por um pouco de afago como um gato velho com os pelos ásperos. Esses pequenos feridos e frios me sugam fortemente como nada mais pode explicar. Um dia serei canonizada como a santa protetora dos estranhos, dos desamados, dos cruelmente reservados, dos que ficam carente de madrugada, dos barbados e dos corações enfermos, e quanto amor eu tenho por eles!

A porra do sol não era o que mais me incomodava e eu sabia disso, era só um caminho que eu via pra reclamar que teus últimos dias tinham sido ruins e o calor dele tinha 1% de culpa. Eu não gostava do que podia te fazer mal.

Chovia na hora em que saías do trabalho e eu me preocupava se irias te molhar e pegar um resfriado, mas a chuva era boa, refrescaria tua noite e faria o frio que te deixava mais aconchegado e eu sorria idiota te imaginando preguiçoso deitado com meus pés suspensos no sofá da sala, respondendo a mim que te chegava com um “e como foi o trabalho?”, conversávamos por mais alguns minutos e pegavas no sono. Eu podia começar a sentir saudades de ti, a formular minhas hipóteses de te desapropriar do direito de se fazer rão moldado ao meu querer mas sem nem mesmo se deixar esforçar, e ficar um pouco cabisbaixa porque teria que te esperar até amanhecer e afugentar meu medo de não receber mais nada teu pela manhã . Eu te mandava boa noite com nove caracteres de beijos e esperava que você dormisse bem, contando com a sorte até deixares que na próxima eu cuidasse da tua noite e te embrulhasse do meu jeito especial, dobrando a ponta do lençol perto do teu pescoço, assim, por aqui também seria uma boa noite.

Laysa Niéves
Enviado por Laysa Niéves em 24/12/2012
Reeditado em 24/12/2012
Código do texto: T4051880
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