DOMINGO EM PARIS
A imponência do cavalo de pura raça conduzindo a majestosa carruagem pelas ruas movimentadas e alegres da cidade, o seu elegante e impassível trotar soando cadenciado no asfalto límpido, e por onde ele e seu cocheiro passam chamam a atenção incontinenti. Todos, extasiados, param voltando os olhos para a beleza do animal com seu porte altaneiro e o transporte de conto de fadas, fotografam-nos, abrem a boca de espanto, sorriem, é como se a cena tivesse saído daquelas estorinhas infantis com fadinhas e Brancas de Neve, e parece quase surreal existir de verdade uma carruagem tão exuberante assim e um cavalo expressando esse ar de felicidade comum às figuras fictícias dos filmes de fantasia. Os atores desse instante mágico se vão e desaparecem nas brumas das vozes, dos risos e dos olhares lá adiante.
Então, sobre a ponte de Saint Louis, nos vem um novo inesperado, acontece mais outra explosão de beleza em movimento, de pura leveza e graça artística, de equilíbrio e disposição de alguns artistas para ousar
e causar impacto e sorrisos de encantamento a quem os avista e se dispôe a vê-los desafiando o imponderável. Eram três patinistas, dois homens e uma mulher vestidos a caráter, se apresentando na rua, que rodopiavam e faziam charmosas e elegantes evoluções graciosamente entre pinos colocados em fileira sobre o asfalto, lembrando borboletas em pleno voo do acasalamento, beija-flores em êxtase, fios de arco-íris trocando simpatia com as nuvens, abraços com o vento, em flertes insinuantes com o fascínio, e tais seres maravilhosos, bailarinos dos patins, dançavam em meio aos pinos sem tocá-los, sem derrubá-los embora tão próximos estivessem, abriam os braços, dobravam-se como se em vôo fascinante, saltavam e rodavam no ar, serpenteavam e bailavam e deitavam e exibiam a qualidade de seus gestos em perfeita sintonia com a melodia tocando suavemente num aparelho de som trazido por eles. O povo filmava, aplaudia, fotografava, entrava na plenitude do gozo visual, eles continuavam, bailavam, dançavam...
Na Catedral de Notre Dame as comemorações dos seus 850 anos de existência, servindo de testemunha muda de diversos acontecimentos ao longo desse tempo, guardando sons, gritos, sussurros e orações de centenas de milhares de criaturas humanas que em seu chão pisaram ou em suas paredes se encostaram por alguma razão. Na sua incomensurável grandeza iconoclástica dos templos religiosos, gótica, esquisita por seu aspecto, por suas gárgulas horrorosas, pelos detalhes de cada metro quadrado, pela senilidade de sua vida longa, pelos segredos que por certo conservou e conserva distante e inacessíveis à humanidade. Ao seu redor, filas enormes, duas para ser exato, fora o rio de gente em seus flancos, na frente e atrás, sendo uma para subir as estreitíssimas escadas de pedra deterioradas pelo tempo e uso constante, a outra para adentrar no ambiente silencioso onde acontecem os ritos ditos sagrados para os católicos. O tempo, o vento, as chuvas, o sol e o orvalho, por vezes também a neve, ainda irão deslizar sobre seu imenso e disforme corpo por muitos anos, só Deus sabe até quando.
Multidões acorrendo em direções várias, em Montparnasse, na Bastille, no Canal Saint Martin, no Marais, enfim por todos os bairros de Paris à procura do encanto sempre presente na Cidade-Luz. Os flashs brilham no ar, milhões de fotos são batidas especialmente da Torre Eiffel, do Arco do Triunfo, da Champs Elysées, e é justamente nessa avenida onde o mundo se encontra que a feira natalina espalha faíscas de frenesi nos corações alucinados das pessoas. Ali as grandes multidões se enroscam, se batem sorridentes, se olham, conversam, cantam, fazem poses mil para fotos, compram, choram de emoção. Porque é Paris, é Natal, é festa interminável, é domingo e esses viventes desejam um momento nos braços dessa alegria, pois mesmo a vida sendo mera ilusão, em Paris viver essa ilusão é o prazer máximo dos prazeres.