VÓ CARMELA
As luzes de natal enfeitam a cidade, que por si só é muito bela. Caminho devagar pelas calçadas, admirando tudo. Trago comigo aquela menina que cresceu na diminuta vila do interior, cercada pela floresta de eucaplitos e pinheiros, e que não perdeu o encanto por tudo que a rodeia.
A visão de simples bola de natal pendurada em uma imensa árvore, remeteu-me, a casa de meus avós, lá na vila de antigamente. Era igualzinha as que minha avó Carmela, guardava com tanto carinho em caixas para evitar que quebrassem, e nessa época natalina, as dependurava, no imenso pinheiro de natal.
Sentei-me, em um banco da famosa praça em que me encontrava, e as lembranças de minha avó, tomaram conta do meu imaginário.
Figura central em minha vida, vó Carmela, foi uma mulher guerreira, esteio de toda família, doadora, generosa, uma verdadeira Mama Italiana.
Ela sabia agregar a todos da família, não havia um único parente que não gostasse dela. Era amada, respeitada, por todos.
Ali na praça, minha alma se ausentou, meu corpo permaneceu sentado, mas minha essência viajou, e matou a saudade, da minha querida vó.
Eu pude revê-la, em sua dedicação plena por sua família. Ela nunca mediu esforços para ajudar. Se um filho ou neto estivesse adoentado, lá estava minha avó, com suas canjas, chás, e orações. Era comum, pedirmos a ela: "vó reza por mim, tenho prova amanhã. Mãe reza por mim, estou com um problema de saúde". Todos nós, confiávamos na ligação estreita que ela, tinha com Mãe Maria, e Santo Antonio. E íamos mais confiantes para as provas, e sarávamos mais rápido sabendo que ela, iria interceder por nós.
Mas, um dia ela teve que deixar o cenário da vida fisíca, e foi em meus braços que ela deu seus últimos suspiros. Fazia tempo que ela morava conosco, e aos 96 anos, se foi. Resisti a ideia de colocá-la em um hospital. O médico amigo, que a atendia em nossa casa, disse-me, que seria difícil a visão do declínio e a chegada da morte, e só por isso recomendava a internação, por receio de que eu, não suportasse a visão desses momentos. Ele acrescentou que, um hospital, nada poderia fazer para recuperá-la. Sem pestanejar, respondi que ela, ficaria como sempre ficou em minha casa.
E assim foi. Dia após dia, minha avó, foi se recolhendo num mundo intermediário, entre a vida e a morte. Por vezes enquanto eu a banhava no leito, ela abria devagar os olhos e parecia que me via. Em outras, cheguei a perguntar à ela, se minha mãe e meu avô, (já mortos) estavam ali, ao lado dela, e ela fez que sim com a cabeça. Voltei a perguntar se ela desejava ir com eles, e ela, rapidamente fez que não com a cabeça. Isso ocorreu, uns 5 dias antes de sua partida.
Após sua morte, um primo querido que residia em Curitiba, ligou-me, e dentre muitas coisas, ele disse-me: "Leninha, a tia Carmela, tinha que morrer em seus braços, a ligação entre vocês era imensa". Ele teve sensibilidade para sentir, que assim tinha que ser.
Minha avó, creio eu, se sentia segura comigo, fazia muito tempo que os papéis haviam sido trocados. Eu, passei a ser uma espécie de mãe, para ela, ela se sentia segura se eu estava por perto.
Vó Carmela, deixou um legado de amor e generosidade, registrado no coração de cada um de nossa família. Junto dela e de meu avô Totó, passamos os melhores natais de nossas vidas. A casa de meus avós, estava sempre aberta para todos, que precisavam, e foram tantos os que nela se hospedaram em momentos de doença, ou outra necessidade.
De repente uma menininha linda de olhos azuis da cor do céu, parou à minha frente, e me mostrou a boneca que trazia ao colo. Assim, despertei das minhas recordações, e saudade.
Achei interessante que a mãe chamou a menina, e seu nome era Nina, e conversou com a filha em italiano. Tratava-se de uma família de origem italiana. Esbocei um leve sorriso, e pensei que a vida nos mostra os sinais, de que aqueles a quem muito amamos, de alguma maneira estão sempre por perto de nós.
(foto da autora)