MONTPARNASSE

Vagamos como parisienses pelas ruas movimentadas de Saint German de Prés, mãos dadas, sorriso nos rostos felizes, sob o testemunho de um céu triste e choroso em lágrimas suaves. As ruas de Paris tomavam banho calmamente, sem qualquer sinal de pressa, a água em pingos vindo do infinito e descendo tranquila sobre seus monumentos, os telhados, o asfalto, as estátuas de figuras que a história tornou famosas. Já as pessoas, em seus devidos agasalhos, embora também sendo banhados de forma ingênua pela garoa, agarravam-se aos seus destinos em torno das esquinas dos cafés e das grandes lojas, das muito ricas e das nunca pobres, pisando o chão molhado do chuvisco intermitente. Vi sombrinhas pequenas e grandes, velhas e novas, bonitas e feias protegendo as cabeças de alguns, mas a maioria desafiava os drops de água fria do céu com indiferença, olhando para frente, seguro e firme, sem temor de ficar respingado, tamanha era a pequenez da chuva.

Não sei por que sempre me deparo com mendigos em esquinas expressando a humilde e cruel expressão da sua miserabilidade, muitos deles se ajoelham sobre as calçadas e assim permanecem em silêncio, olhares contritos, morrendo em pensamentos que desconheço, entristecendo-me por notar que muitos deles são jovens dando os rostos aos bofetões da sociedade que lhes devolve bate de maneira emocional em completa indiferença. Também há idosos mendigando, e outro dia avistei uma senhora bem vestida, já além dos muitos anos, debruçada sobre uma sua igual, só que pedinte, dando-lhe esmola e consolando-a. Cubro-me de melancolia por enxergar numa cidade tão rica e poderosa como Paris esses farrapos de seres humanos abandonados, desprezados, humilhados, enquanto limusines, Ferraris, BMW, Masseratis e outros automóveis de altíssimo luxo desfilam em disparada pelo asfalto da cidade.

E Montparnasse fervilha no calor humano percorrendo suas artérias, logo anoitece, trazendo o festival de luzes e enfeites natalinos em cada pedaço desse bairro. Ao longe, o clarão da luz que flui da Torre Eiffel esmurra o espaço e chama a atenção, mas um súbito barulhão me faz parar a caminhada, então chego a ver os últimos vestígios de um acidente de trânsito entre um carro e uma moto, esta caindo e sendo arrastada, o motoqueiro jogado ao lado em pandarecos e aquele dando a impressão de que estaria em fuga depois da batida. Acompanhei-o com os olhos, e já outras pessoas acorriam para ajudar o motoqueiro. O motorista atropelador estacionou lá adiante, saiu do carro e voltou a pé para o local do acidente. O motoqueiro se levantara e esbravejava, levantou sua moto, alguém o ajudava e conversava com ele, o motorista chegou e começaram a conversar, diálogo não alcançado por mim que logo continuei a andar depois de constatar não ter havido nada com o acidentado.

Indo para o apartamento onde estamos residindo aqui em Paris, lembrei da cafeteria Les Deux Magots, na Saint German des Prés, onde estivemos saboreando um lanche de valor exagerado decerto porque esse estabelecimento fez parte do filme " Meia-noite em Paris", do diretor de cinema Wood Allen, e também da igreja parisiense mais antiga, no mesmo bairro, visitada por nós logo após saírmos da cafeteria. Entre os dois estabelecimentos, o contraste, pois no primeiro a multidão comparecendo para aparecer e dizer que lá esteve, no segundo, o abandono a uma construção com mais de novecentos anos, de incomparável beleza arquitetônica e por onde certamente milhares de almas passaram rezando e fazendo atos de penitência. Havia muita luz na primeira, mas somente penumbra na segunda.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 23/12/2012
Código do texto: T4049289
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