O CRAQUE
O CRAQUE
Não lembro se foi essa semana ou semana passada, que o Globo Esporte mostrou uma reportagem com uma menina que perdera um braço e se tornara grande jogadora de ping-pong, hoje tênis de mesa.
A reportagem me fez escrever essa crônica que há muito há eu queria fazer, mas ia protelando. Agora me decidi, até porque o dia é propício.
A menina da reportagem sem sobras de dúvidas é um exemplo de superação, mas nenhuma heroína como a reportagem quis mostrar.
José Messias, Zé como o chamarei daqui para frente, até porque foi assim que me acostumei a chama-lo desde os tempos de criança, adolescente, no Baturité, estudante do Colégio Salesiano, também tem uma deficiência. Perdeu o braço direito ainda muito criança, por volta dos dois anos de idade.
A perda do braço jamais foi empecilho para Zé fazer qualquer coisa. E sempre nos superando, que tínhamos dois braços: jogava bola, atirava de baladeira – estilingue em outras paragens – enfiava, não sei se ainda faz, linha numa agulha mais rápido do que qualquer um de nós. Nadava muito bem. Pescava com tarrafa como poucos, até pegava bem no gol, pasmem. Mas esse era o nosso querido Zé, hoje para muito Messias.
Nas aulas de desenho chegou a ser dispensando de fazer os trabalhos. Prerrogativa que abriu mão. Estudava e fazia os trabalhos como os outros alunos.
Sempre foi bom aluno e ótimo atleta. Na década de 1970, fez concurso para a Caixa Econômica Federal, ficando em segundo lugar em datilografia e para ser um bom datilógrafo a pessoa tinha que dar cento e oitenta toques por minuto, numa máquina manual.
Naquela época não se protegia a pessoas por qualquer besteira. Não havia as famigeradas cotas. Hoje, só porque o sujeito é anão tem cota em concurso público e nas empresas, como se tamanho determinasse a capacidade de inteligência de cada um. No caso de nanismo, a única incapacidade é para jogar no gol de futebol profissional. No mais, no que depender da inteligência não vejo porque se proteger anões.
Pois bem, o segundo colocado ainda teve que enfrentar a direção da Caixa Econômica que não queria aceitar um deficiente em suas fileiras, muito embora ele tivesse dado show naquilo que se exigia mais na época. A habilidade e agilidade numa máquina de escrever.
Dirige há muito tempo. As habilidades do Zé são tão grandes que o tornou um excelente motorista, há muitos e muitos anos dirige com uma única mão. É não é carro automático, é passando macha mesmo.
Se fosse enumerar todas as habilidade desse meu amigo levaria horas e horas aqui narrado fatos que ocorreram conosco, e me tornaria até enfadonho.
Ainda na adolescência eu jogava bola, como beque central do Cialtra. Um time de futebol de subúrbio que levava o nome de uma empresa de ônibus aqui de Fortaleza. Francisco, gerente da empresa, era o responsável pelo time, uma espécie de treinador. Os times de subúrbio aos domingos quando iam jogar viajavam em cima de caminhões, os famosos pau-de-arara. Nós do Cialtra viajávamos de ônibus. Luxo que mais nenhum time tinha.
Num determinado domingo, o Francisco me pediu para arranjar um ponta esquerda. Logo me lembrei do Zé, a quem fiz o convite durante a semana.
Domingo seguinte fui buscar o Zé em casa e fomos pegar o ônibus do time para jogar lá na Caucaia. A Caucaia é uma cidade que faz parte da grande Fortaleza. Décadas atrás era conhecida por causa das brigas que havia por lá. Por qualquer motivo o sujeito metia a peixeira no outro. Por isso, sempre havia aquele receio quando se jogava lá. E nesse dia não foi diferente.
Quando apresentei nosso novo jogador ao treinador, este me chamou à parte e disse que não ia colocar Zé para jogador, por causa da deficiência física dele.
Disse a ele que o cara ia jogar futebol e não vôlei, e mesmo assim se fosse vôlei também podia escalá-lo que ele resolvia. Até mesmo no gol se fosse preciso, podia coloca-lo, pois em qualquer posição ele era melhor do que muitos que jogavam no time. Francisco ainda ficou reticente. Depois de muito ponderar, argumentando que tinha tirado o rapaz de seu laser e da companhia da namorada, Francisco resolveu escalá-lo, mas somente no segundo tempo.
Começa o segundo tempo, o jogo está um a zero para nós, o Zé entra. Ninguém passava a bola para ele, que corria, marca, deslocava, e não recebia um passe. Então revolvi lançar bola lá da defesa para o Zé, sempre que podia. Numa dessas bolas, o Zé matou a bola, o zagueiro veio com tudo para cima dele e levou três dribles. No terceiro o zagueiro caiu, quando o Zé partiu com a bola dominada, o zagueiro rapidamente se refez, e deu-lhe uma tremenda rasteira, derrubando nosso atacante. Nisso o zagueiro aproveitou para pisar nos peitos do nosso craque e dizer:
- Aqui na Caucaia, um drible o cara é bom; dois a gente aceita; mas no terceiro a gente mete a porrada.
O jogo terminou empatado por um a um. O gol de empate deles foi feito em impedimento. O centro avante estava conversando com nosso goleiro, dentro da pequena área, somente os dois, veio uma bola e ela mandou para o gol. Fomos reclamar do juiz, que simplesmente respondeu:
- Aqui na Caucaia não existe impedimento para o time da casa.
Hoje, nosso craque, um senhor de cabelos grisalhos, José Messias Filomeno da Silva, completa sessenta anos. Parabéns, Zé!
Henrique César Pinheiro
Fortaleza, 22 de dezembro de 2012.