PRESENTES DE NATAL

Por Vicentônio Silva

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Geralmente ganhamos presentes de que não gostamos, que se tornam inúteis e ocupam espaço na cozinha, na sala, no corredor, na garagem ou no guarda-roupa. Desde sempre aprendemos que é falta de educação pedi-los, mas, pensando na utilidade e na praticidade com que os incluirei na minha vida, listo abaixo algumas sugestões:

1 – Uma gueixa;

2 – Sabonete Phebo preto tradicional, embalagem amarela;

3 – Esparadrapo e água benta para mãe e filha que inventaram de ser minhas vizinhas;

4 – Empréstimo (obviamente gratuito) de casa em Florianópolis por cinco dias;

5 – Ar-condicionado econômico;

6 – Seis gravatas vermelhas e azuis;

7 – Camisas de mangas compridas;

8 – Calças sociais;

9 – Bermudas;

10 – Cuecas, meias, cinto e lenço;

11 – Canetas de tinta azul;

12 – Uma estante de aço com oito prateleiras distanciando-se vinte e quatro centímetros umas das outras;

13 – Vale cinema, vale teatro e vale locadora de DVD para todos os fins de semana e feriados;

14 – Anuidade do clube;

15 – Geladeira de Coca-Cola;

16 – Piscina no quintal;

17 – Perfumes de criança que grudam no corpo, preferencialmente Johnson & Johnson;

18 – Três sessões de massagem;

19 – Guarda-chuva;

20 – Fone de ouvido que transmita a suavidade da música, sem engrossar ou afinar a voz dos cantores;

21 – Caixas de molho de tomate italiano original;

22 – Passagem de ônibus sem destino;

23 – Oito pacotes de dez resmas de papel A4 de cor amarela clara;

24 – Vinte passagens de ônibus de ida e volta para Londrina;

25 – Vinte diárias de hotéis em Curitiba, Ouro Preto e João Pessoa;

26 – Carro com quilometragem livre durante alguns dias no interior do Rio Grande do Sul;

27 – Gramática de língua portuguesa tão didática quanto os dicionários de inglês;

28 – Seis canetas de cor preta, duas de cor vermelha e dez destaca-texto de tom alaranjado;

29 – Tardes de clima ameno;

30 – Tênis com bons amortecedores e apropriados para caminhadas de duas horas;

31 – Violão eternamente afinado cujas cordas, nas primeiras dedilhadas, desandem a tocar o resto da música;

32 – Meses frios durante as estações calorentas de setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março e parte de abril;

33 – Doze caixas de chocolate com recheio de chocolate e cobertura de chocolate, cada uma das quais pesando aproximadamente cem quilos;

34 – Apartamento, restaurante e cafeteria de nuances originais da Serra Gaúcha;

35 – Perfurador;

36 – Fim de tarde no Parque do Povo, seguido de manga verde em sítio de mestre Vitalino e Dona Lourdes;

37 – “Alla minuta” estralando de novo naquele restaurante onde, quatro noites seguidas, frequentadores mais exigentes e de paladar apurado afirmam que o arroz tem gosto de leite;

38 – Bolsa de mão onde possa guardar, ao mesmo tempo e sem danos, Coca-Cola gelada, chocolate, documentos, livros, cadernos e folhas avulsas de rascunho;

39 – Bicicleta motorizada que polui pouco, economiza muito e não precisa nem de placas nem de recolhimentos de impostos diversos;

40 – Visitar a Cidade Imperial e, em seguida, descer até a ex-capital do império a fim de conversar com escritores que admiro, visitar a Academia Brasileira de Letras, procurar despreocupadamente novas cartas no arquivo de Clóvis Bevilaqua e, sem nenhuma pretensão, compreender sua movimentação intelectual – igualmente literária – nas primeiras quatro décadas do século XX;

41 – Participar, juntamente com os poetas Antônio Lázaro de Almeida Prado e José Benjamim de Lima, de mesa redonda de Literatura na periferia das cidades de médio porte;

42 – Pilotar caiaque ou lancha no rio que separa Presidente Epitácio (SP) de Bataguassu (MS);

43 – Compreensão de quem amo e hostilidade de quem se define adversário;

44 – Elevar Pedrinhas Paulista a cidade símbolo e cartão postal oficial do Velho Oeste Paulista;

45 – Colocar em prática meus planos menos ambiciosos e, ao mesmo tempo, essenciais;

46 – Aprender a falar o necessário;

47 – Continuar me esquivando de embates com fanáticos de todas as espécies;

48 – Descobrir qual o sentido íntimo das coisas;

49 – Viajar;

50 – Agradecer diariamente pela sorte de nascer numa família única e de adquirir outra tão esplêndida, inigualável e insubstituível.

*Publicado originalmente na coluna Ficções, caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 21 de dezembro de 2012.