Para os amigos de jornada

Olho para eles. - Por que não me acompanham mais, desprezam minha companhia e do nada resolvem parar, obrigando-me a parar também? - Por que sinto que agora me odeiam? Trouxeram-me até aqui para isso? Para que pudessem ficar ao meu nível? Não me parece justo. Vocês que sempre foram tão leais, companheiros, colocando-me para cima todos os dias, apoiando-me indiscriminadamente, conduzindo-me ao calor nos dias frios e ao frescor das leves brisas nos dias infernais, fazendo-me seguir mesmo quando a vontade de ficar envolvia-me inteira. Vocês que sempre foram valentes, fortes, desbravando mundo a fora caminhos desconhecidos. É certo que por vezes eram lentos, talvez por medo ou porque fossem em determinadas situações mais prudentes do que eu, ou quem sabe pressentissem o perigo por estarem mais próximos dele. Não tenho certezas, só suposições. Recordo-me que muitas vezes vocês me fizeram voltar ou nunca me deixaram sair, plantando-me ao solo feito vegetal profundamente enraizado.

Entretanto o inverso também acontecia, e de quando em vez eu os flagrava acompanhados da impaciência; então eram rápidos, sempre a frente de qualquer pensamento e quando lhes perguntava o porquê de tanta pressa, me respondiam que precisavam chegar. Chegar onde? Nem eu e nem vocês tínhamos ideia de onde queríamos chegar. O caminho não tinha fim. Eu sempre os obedecia e deixava que me guiassem. Lembro-me de ter ido a lugares duvidosos sem entender direito como havia chegado até lá, feito sonâmbulo que vai andando, andando e de repente se dá conta que chegou ao inesperado, mas vocês conheciam os meus limites e quando meus olhos se abriam, a pele ardia e o mundo girava, traziam-me de volta com segurança, por isso nossas relações eram pautadas na confiança. Minhas certezas diziam-me que jamais me levariam a labirintos ou becos sem saída. E quando queriam surpreender-me então, era uma festa, aliás, foram muitas festas, infinitas danças.

Ah, quanta energia esbanjavam! Pareciam máquina que busca na eletricidade força para os movimentos, mas qual a fonte que os abastecia? De onde vinha tanta energia para as viagens, para a dança, para as longas caminhadas, para o sobe e desce nos dias tortuosos? Nunca me importei com as respostas porque mesmo sem as tê-las sentia-me confortável na companhia de vocês. Querem saber do que mais gostava em vocês? A coragem de me levar ao desconhecido, lugares distantes que eu podia vê-los em sua totalidade, mas vocês podiam senti-los.

Ah! Como sou grata por tudo que me proporcionaram. Agradeço a firmeza que me fez forte em tantas batalhas, agradeço estarem sempre na base, na minha base para que eu pudesse enxergar mais longe, agradeço ter sido levada por vocês a lugares e situações tão diferentes, tão importantes que me ajudam até hoje a escolher a direção a tomar todos os dias. Agradeço infinitamente, mas ainda assim não compreendo por que me fizeram parar. Com certeza não foi por crueldade, o motivo não deve ser hostil. É que às vezes, a dor nos cega, nos tira a razão. Não quero que minha dor se agigante a ponto de esconder minha gratidão. Por isso, exercito-me em sentir saudades do que foram, mas em alegrar-me do que sou, porque vocês meus pés queridos me conduziram ao desconhecido, fortalecendo-me a cada passo, enriquecendo-me a cada caminhada, ajudando-me a saltar sob obstáculos, a enfrentar terras áridas, jardins espinhosos, por tudo isso e por muito mais que aqui não posso externar, eu por vocês tenho grande estima.

Assim, guardo as perguntas para mim e me conformo em contempla-los a descansar, abrigados em meio as minhas recordações plasmadas nesse leito que embora inerte, é possuidor de asas que lhes permite voos tão altos e tão velozes, capazes de me levar agora às nuvens, já que a terra firme, pelo menos por enquanto, não me é possível.