QUEM AMA NÃO MATA
(ou de como os cães não conseguem amar)
Fico espantado com a forma e quantidade de adjetivações impostas ao amor nas últimas décadas. Amor é um sentimento, ou emoção como queiram, que se esgota em si mesmo. Não há amor inteiro, nem meio amor, nem mesmo amor de mãe ou de pai, amor de irmão, amor de esposa, etc. Pode haver diversos tipos de relações estabelecidas pelo amor, mas o sentimento é um só, tem jeito próprio, é sensação, é percepção de si diante do outro. E, com o perdão dos que têm animais de estimação, o amor é sentimento próprio do gênero humano. Não existe qualquer comprovação científica de que gatos ou cães "sintam amor". Quem usa isso como mote de venda é a indústria de produtos para animais de estimação. Um ser humano pode amar um animal, mas um cão ou um gato não são capazes de amar seus donos. Alguns irão me "odiar" por isso e, certamente, me chamarão de ignorante, porque não têm qualquer dúvida que o "Lulu" está apaixonado pela dona dele, ou o "Rex" tem adoração pelo próprio dono. Mas tudo bem, odiar também é um sentimento e também é exclusivo dos seres humanos. Podem me odiar à vontade, desde que não me agridam por não saberem conter a própria raiva. Assim, relaxem, há pessoas que acreditam em coisas ainda mais "transcendentais": conversam com plantas e elas respondem. Sério, tenho uma amiga cuja analista é uma árvore de "ficus". Todas as manhãs, antes de sair de casa, ela conversa com a planta e se orienta como deve proceder durante o dia. Num de nossos encontros, garantiu-me que, no verão passado, ao ficar quinze dias longe dela, a planta "murchou de tristeza". Perguntei se não era falta de água. Ela me olhou com desdém e vaticinou: teu espírito científico ainda vai te matar.
Mas voltemos às adjetivações do amor: amor quente, amor frio, amor sincero, amor que mata. Pode haver relação falsa, mas todo amor é sincero. Pode não haver amor, mas, quando há, ele é intrinsecamente sincero. A expressão "quem ama não mata" andou em voga alguns anos atrás, numa campanha contra o assassinato de uma figura exponencial da "high society", por outra figurinha também carimbada entre os "colunáveis". "Amor que mata" não existe. O que mata é outra emoção, a raiva doentia. Ou o ódio patológico, como queiram. E é bastante comum que este ódio patológico surja numa relação, pode ser de par, de amigos, de familiares. Mais ainda frequente é na relação de pares. Há anos venho acompanhando o noticiário policial e prestado atenção na quantidade de assassinatos que ocorrem entre pessoas que tiveram uma relação de par ou assassinatos envolvendo uma relação familiar (filhos com pais ou mães e vice-versa). Na relação familiar, a doença é mais nítida, mais perceptível e mais compreendida pelos protagonistas. Por trás de um "amor" exacerbado pela mãe ou pai, que chega às raias da adoração, ou pelo ódio incontido em relação a um dos progenitores. Em ambos os casos, há uma distorção velada e doentia do verdadeiro sentimento, quer seja amor, quer seja raiva. Não sei se há estatísticas sobre este tipo de crime e, se há, não sei se podem ser consideradas como instrumento científico. Nem mesmo este texto tem cunho científico. Apenas me assombra a percepção que brota do noticiário no sentido da quantidade expressiva de crimes entre pessoas "que se amam", no caso, pais e filhos.
O mais impactante, no entanto, é a quantidade de assassinatos envolvendo pessoas que tiveram uma relação de par, quer tenham sido casados, quer tenham tido uma relação "extra-oficial". São situações em que a raiva ultrapassou os limites da sanidade (sim, sanidade, pois sentir raiva é normal) e avançou em direção à loucura.
"Quem ama não mata", pois, é uma frase extremamente infeliz e que traz uma profunda distorção da realidade, demonstrando a incompreensão das pessoas a respeito dos sentimentos (quase escrevi humanos, cometendo o equívoco universal da redundância).
É óbvio que, quem ama não mata. Só se mata por ódio.
Porto Alegre, 19 de dezembro de 2.012.
(ou de como os cães não conseguem amar)
Fico espantado com a forma e quantidade de adjetivações impostas ao amor nas últimas décadas. Amor é um sentimento, ou emoção como queiram, que se esgota em si mesmo. Não há amor inteiro, nem meio amor, nem mesmo amor de mãe ou de pai, amor de irmão, amor de esposa, etc. Pode haver diversos tipos de relações estabelecidas pelo amor, mas o sentimento é um só, tem jeito próprio, é sensação, é percepção de si diante do outro. E, com o perdão dos que têm animais de estimação, o amor é sentimento próprio do gênero humano. Não existe qualquer comprovação científica de que gatos ou cães "sintam amor". Quem usa isso como mote de venda é a indústria de produtos para animais de estimação. Um ser humano pode amar um animal, mas um cão ou um gato não são capazes de amar seus donos. Alguns irão me "odiar" por isso e, certamente, me chamarão de ignorante, porque não têm qualquer dúvida que o "Lulu" está apaixonado pela dona dele, ou o "Rex" tem adoração pelo próprio dono. Mas tudo bem, odiar também é um sentimento e também é exclusivo dos seres humanos. Podem me odiar à vontade, desde que não me agridam por não saberem conter a própria raiva. Assim, relaxem, há pessoas que acreditam em coisas ainda mais "transcendentais": conversam com plantas e elas respondem. Sério, tenho uma amiga cuja analista é uma árvore de "ficus". Todas as manhãs, antes de sair de casa, ela conversa com a planta e se orienta como deve proceder durante o dia. Num de nossos encontros, garantiu-me que, no verão passado, ao ficar quinze dias longe dela, a planta "murchou de tristeza". Perguntei se não era falta de água. Ela me olhou com desdém e vaticinou: teu espírito científico ainda vai te matar.
Mas voltemos às adjetivações do amor: amor quente, amor frio, amor sincero, amor que mata. Pode haver relação falsa, mas todo amor é sincero. Pode não haver amor, mas, quando há, ele é intrinsecamente sincero. A expressão "quem ama não mata" andou em voga alguns anos atrás, numa campanha contra o assassinato de uma figura exponencial da "high society", por outra figurinha também carimbada entre os "colunáveis". "Amor que mata" não existe. O que mata é outra emoção, a raiva doentia. Ou o ódio patológico, como queiram. E é bastante comum que este ódio patológico surja numa relação, pode ser de par, de amigos, de familiares. Mais ainda frequente é na relação de pares. Há anos venho acompanhando o noticiário policial e prestado atenção na quantidade de assassinatos que ocorrem entre pessoas que tiveram uma relação de par ou assassinatos envolvendo uma relação familiar (filhos com pais ou mães e vice-versa). Na relação familiar, a doença é mais nítida, mais perceptível e mais compreendida pelos protagonistas. Por trás de um "amor" exacerbado pela mãe ou pai, que chega às raias da adoração, ou pelo ódio incontido em relação a um dos progenitores. Em ambos os casos, há uma distorção velada e doentia do verdadeiro sentimento, quer seja amor, quer seja raiva. Não sei se há estatísticas sobre este tipo de crime e, se há, não sei se podem ser consideradas como instrumento científico. Nem mesmo este texto tem cunho científico. Apenas me assombra a percepção que brota do noticiário no sentido da quantidade expressiva de crimes entre pessoas "que se amam", no caso, pais e filhos.
O mais impactante, no entanto, é a quantidade de assassinatos envolvendo pessoas que tiveram uma relação de par, quer tenham sido casados, quer tenham tido uma relação "extra-oficial". São situações em que a raiva ultrapassou os limites da sanidade (sim, sanidade, pois sentir raiva é normal) e avançou em direção à loucura.
"Quem ama não mata", pois, é uma frase extremamente infeliz e que traz uma profunda distorção da realidade, demonstrando a incompreensão das pessoas a respeito dos sentimentos (quase escrevi humanos, cometendo o equívoco universal da redundância).
É óbvio que, quem ama não mata. Só se mata por ódio.
Porto Alegre, 19 de dezembro de 2.012.