Uma linda história de amor: meus avós paternos - Em Portugal

Quando tia Cecília completou seis anos descobriu-se, em seu

peito, um tumor benigno. Era preciso lancetá-lo e através da

Beneficência Portuguesa, em Santos, após um processo demorado

e desgastante, minha vó e tia Cecília partiram para Lisboa, Portugal,

onde aconteceria o procedimento cirúrgico. Vovó levava consigo uma

carta para o meu bisavô, em Trás-os-Montes, respeitosa,esperançosa,

solicitando apoio durante a permanência das duas, e, sendo ele, filho e

logicamente herdeiro, providência quanto as passagens de retorno ao

Brasil. Junto, fotos dos cinco filhos, do meu avô com a minha vó. E ela

estava grávida do sexto filho, dois meses.

Em Lisboa, no hospital, depois da burocracia, cirurgia marcada

para o dia seguinte, vovó passou a noite em companhia de minha

tia. Pela manhã, foi aconselhada ir para o jardim do hospital, seguir

uma alameda até perder de vista, pois assim não ouviria os gritos de

sua filha. Não havia anestesia.

À tarde, as duas estavam juntas, novamente, no quarto. E

ficaram por lá, até o dia da alta médica. Neste dia, vovó buscou a

direção de Trás-os-Montes, com tia Cecília, a tiracolo.

Meus bisavós não a receberam. Nem sequer passou do portão.

Foi avisada que o casamento no Brasil não era reconhecido em

Portugal e que os dois estavam " amancebados ", o que feria os

costumes conservadores do meu bisavô e o pior " ele, o meu avô,

já estava deserdado" e bateram o portão, deixando-a sem ação.

Minha vó tinha sangue catalão e praticidade. Buscou se

instalar negociando com um proprietário de uma taverna, conhecido

da época da Troupe; faria a faxina, cozinharia, menos cantar ou

dançar, em troca de um quarto nos fundos e refeição para as duas.

Escreveu para o meu avô, explicando a situação, e passou a

trabalhar na Taverna, em casas de família como faxineira, e o que

recebia foi guardando, economizando para a passagem de volta.

Tio José nasceu em Lisboa. No mesmo dia que vovô chegou

para buscar a família, agora aumentada. Ele, dizem, chorou muito

abraçado com a espoleta da minha vó. Ela foi uma guerreira,

determinada, confiante, sempre otimista, trabalhava cantando em

catalão, e nunca reclamou, lamentou, lamuriou ou se queixou, nem

mesmo comentava a sua situação com ninguém. Ela fazia a sua

parte e sabia que Deus nunca a abandonaria. O dono da Taverna,

os demais funcionários, os frequentadores, as pessoas em cujas

casas vovó faxinou, fizeram uma festa de despedida pra eles. E no

dia do embarque, minha bisavó e meu tio-avô José apareceram no

Porto. Foi um encontro emocionante, dizem. Muito choro, é claro.

Explicações. Quando chegou a hora da partida, meu avô entregou

as fotos para a sua mãe e o seu irmão, José, entregou para ele uma

bolsa bem pesada. Despediram-se.

Em alto mar meu avô abriu a bolsa. Estava cheia de moedas

de ouro, jóias, de um valor incalculável. Meu avô ficou uns segundos

olhando aquele tesouro junto com a minha vó e tia Cecília. Então,

se levantou sendo seguido pelo olhar cúmplice da minha vó. E atirou

a sacola no mar. Depois sentou-se, abraçou a sua amada e a

beijou na testa.