O Nascimento de Vênus.

(Blog Patrícia Porto - Sobre Pétalas e Preces.)

"Conversa estranha com gente esquisita, eu não tô legal..." Aconteceu por duas vezes seguidas. A primeira. Perto do anúncio do fim do mundo, resolvi me dar de presente um novo mapa astral. E pedi a uma pessoa, reconhecida na área, que o fizesse. O resultado disso? Passei mais de vinte anos acreditando que meu ascendente era “virgem” e não era. Como assim?! Claro que isso gerou um inusitado desconforto entre mim e a astróloga em questão, por sinal, maravilhosa pessoa. “Me dá cá meu ascendente de volta! Que negócio é esse? Não tenho mais idade pra mudar de time nem de ascendente.”

Descobri - dessa maneira, um tanto pitoresca - o quanto nos apegamos às coisas, as mais incrédulas, as menos questionadas, creio. E nos apegamos a tudo e a todos com afinco e orgulho, nos apegamos à história, à racionalidade, às crenças, às banalidades, às quinquilharias, às coleções. Síntese bacana essa, a do ser humano: “apegar-se”. O desapego é um exercício de luta. Uma luta feroz pra muitos. Pra maioria, digo. Os que nascem em outra cultura e crescem longe, bem longe da poluição mercadológica, podem se desapegar com facilidade. Eu acho. Também nunca fui de outra cultura e lugar pra afirmar isso. O certo é que me apeguei tanto ao tal ascendente em virgem que não queria desistir dele por nada. Virgem, o ordeiro, centrado, minimalista, meticuloso, crítico sim, mas ponderado... Por aí vai... E isso (acreditem) me dava certo conforto. Porque minha bagunça interna já era tão grande, que só um ascendente em virgem poderia me salvar da loucura total e generalizada. Imagina se eu tivesse um ascendente em escorpião?! Sairia por aí mordendo gente na rua! Já me sentia culpada por ter nascido no mesmo dia em que nasceram Napoleão e Mussolini. Pra que mais? O fato é que detestei a nova constatação astrológica e cheguei a duvidar do mapa, e óbvio, dos métodos usados...

Foram minutos de um debate esquisito. E depois de cair de vez no “aqui e agora”, quando enfim percebi minha atitude ridícula, tudo isso acompanhado de uma xícara enorme de chá com florais, só poderia mesmo, finalmente, me conformar. Uma pessoa com ascendente em virgem, pé no chão, não iria tentar dissuadir a astróloga de seu achado profissional com argumentos paradoxais de teimosia. Tudo bem, tudo bem... Havia uma nova combinação no meu céu. Meu ascendente era libra. Mas foi por pouco, bateu na trave.

Nada contra o signo de libra. Acho câncer, peixes e libra os signos mais fofos do zodíaco. Tenho amigos maravilhosos desses signos. Justificável, pois são pessoas de afeto e “colo” extraordinários. Mas como eu poderia ter um ascendente em libra se nem pinto minhas unhas? Odeio pintar as unhas. Até porque levo menos de uma hora para destruí-las. Tudo o que eu ouvia falar de libra, de forma muito leiga, estava ligado à beleza, à leveza, ao bom gosto, a certo refinamento. Muito esquisito... A astróloga - canceriana, me apontou então alguns caminhos que seriam os ligados à arte, à estética literária... Contou-me a seu modo o mito de Afrodite, a deusa do Amor. Nascer da força que espuma, da delicadeza e da potência. Achei interessante. E quando acho algo interessante é porque só acho interessante e fim.

Com quantas certezas se constrói um barco ou um castelo? Fiquei com essa pergunta rondando minha nossa face psico-astrológica. Respondia: com a mesma, com a mesma. Mas se for um sonho? Uma criação? Uma mudança? Com quantas certezas? Muitas? Algumas? Nenhuma? De quanto tempo precisamos para nos desapegar de uma falsa certeza ou de uma verdade de ocasião? O caminho da verdade é a dialética. Aprendi nos livros e na vida. Só não tinha parado para entender o quanto custa jogar qualquer verdade, a mais banal delas, para fora da alma. Não, não é somente na cabeça que as verdades são forjadas. Elas vão lá na tua alma e te possuem, talvez para o sempre. Olhei ao redor com medo de estar falando sozinha, tamanho o caos que me incendiava. Afrodite me guiando numa nova temporada de incertezas e indefinições. Que bela espuma!

Vi o quanto podemos ser rudes e austeros para manter uma convicção de cabeceira. Mas também refleti sobre o desprendimento, das dores que causa: as pequenas, as variadas, as enormes, as de todos os tipos e sentimentos contraditórios: e as que invadem à nossa mente querendo fazer moradia fixa quando precisamos deixar algo ou alguém partir. Voltar pra si mesmo, conviver com sua própria solidão, recolher-se para se reencontrar, pra ressignificar o vivido, não é tarefa das mais divertidas. Vai uma anestesia aí? Ah, uma onda morna, por favor.

É preciso voltar para dentro, mas não é fácil. Lembra a minha avó falando: “mas quem te disse que ia ser fácil! Quer moleza? Senta no pudim!” Mas bem que um pouco de fantasia e mágica não fazem mal a ninguém. Nem de pudim também. Ao contrário. A fantasia tantas vezes nos salva dos choques da realidade... Acho mesmo que a resiliência, essa palavra da moda, deve ser um portal, uma conexão direta com a fantasia, com a capacidade criativa de viver paralelos, outros mundos; e magicamente. As crianças sabem. Todas elas já nascem resilientes, fora os olhos abertos. Afinal, nosso mundo não anda bom pra peixes e nem pra crianças. Perdoem o trocadilho bobo. Mas não resisti.

Arrumada de novo, a nova era astrológica me fazia rir, mas uma vez sozinha. Rir de mim mesma, da minha autopiedade diante da inevitável perda. Era preciso dizer adeus à virgem, à Terra... E dizer olá à Vênus. Olá, Afrodite! Enamorei-me de libra com suas delicadezas tão sutis. Quem sabe um novo ser surja da espuma, mais leve, menos dramático e arrogante, menos solar e mais autêntico na sua ambiguidade.

A segunda conversa esquisita foi com a psiquiatra. Mas essa eu desisti de contar no caminho, conquista de uma recente ética de balança.

Patrícia Porto

Patricia_Porto
Enviado por Patricia_Porto em 18/12/2012
Código do texto: T4041785
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