Chico Vira-bicho
Em 1972 a rede elétrica não passava na porta de minha casa e isso privava nossa família de alguns confortos que já eram comuns àquela época. A nossa iluminação era a base de lamparinas a querosene e de velas comuns. As lamparinas tinham seus locais semi-fixos e cada um da família tinha sua própria vela e sua própria caixa de fósforos... Em função dessas circunstâncias é que aconteceu o inusitado fato que narro a seguir.
Certa dia, durante o recreio da escola, um colega me pediu emprestado a tal "minha própria" caixa de fósforos que, por descuidos ocasionais, carregava no meu bolso. A princípio não quis ceder mas a pressão foi grande e, não percebendo riscos consideráveis, emprestei-lhe, exigindo a devolução com brevidade. Sem maiores explicações o menino e mais outros três ou quatro saíram em disparada. De volta a aula não vi aqueles meninos nem minha caixa de fósforos, obviamente. Não demorou muito e fui chamado à diretoria.
Naquela época era comum aos meninos da minha idade fumarem escondido dos pais e dos professores, e ai foi que descobri a verdadeira intenção daqueles moleques... Eles estavam sim, fumando na escola. Assim, tive que explicar o motivo pelo qual eu andava com uma caixa de fósforos no bolso, convencendo a diretora, com a ajuda dos demais colegas envolvidos, que eu não fumava, que apenas emprestara a bendita caixa de fósforos sem saber a destinação da mesma. Expliquei-lhe também a sistemática da iluminação noturna da minha casa. Não satisfeita a diretora quis saber o que eu tanto fazia a noite para ter a minha própria caixa de fósforos. Foi aí que um dos meninos envolvidos, tentando "ajudar" disse: "Diretora, ele vira bicho, estudando até tarde". A gargalhada foi geral, eu fui dispensado da oitiva, os demais foram suspensos e no mais tudo terminou bem, a não ser por uma pequena coisinha.
Aqueles moleques eram espevitados, mesmo! Eles me puseram um apelido que durou muitos anos, até que eu saísse daquela escola. Hoje tudo não passa de um momento melancólico de que muito gosto de lembrar. E de quebra, pra que eu não esqueça mesmo dele (do apelido), vez ou outra, quando eventualmente encontro alguns deles, me cumprimentam mais ou menos assim:
- Fala, Chico Vira-bicho!