10 Anos de um Fato Histórico
No já distante ano de 2002, Lula vencia, finalmente, os Tucanos. A Seleção sagrava-se campeã mundial pela quinta vez. O jornalista Tim Lopes era assassinado ao cobrir um baile funk. Suzane von Richthofen matava os pais de forma cruel e premeditada. O dólar ultrapassava a casa dos 4 reais. A inflação começava a refazer pesadelos terríveis. E Robinho, num lance de 5 segundos, libertou o futebol brasileiro das garras da robotização e do pragmatismo.
Neste 15 de dezembro de 2012 o esporte nacional - não apenas a torcida do Santos Futebol Clube - comemora 10 anos das artísticas e imprevisíveis pedaladas de Robinho sobre o zagueiro Rogério, do arqui-rival Corinthians. Há quem diga que foram 8, mas basta olhar o vídeo com mais critério e menos paixão para contar 7, sem erro. A “oitava” já é composta pela pernada do zagueiro e a conseqüente queda do atacante, resultando no fatídico pênalti, que abriria a vitória do time da Vila sobre o grande Corinthians na finalíssima do Campeonato Brasileiro de 2002.
Robinho era um raquítico travesso de apenas 18 anos. Após a precoce contusão de Diego, assumira a liderança daquele monte de moleques cheios de espinhas nos rostos e muita vontade de bailar em campo. Tal qual um touro que fita com ira o capote nas mãos do toureiro, o atacante santista pega a bola com a desenvoltura de um Pelé e parte de forma voraz contra o seguro e experiente Rogério, que vai se afastando de forma paquidérmica, inoperante, atônito e de mãos atadas. Nem seus vários anos de um futebol simples e objetivo - que lhe renderam até a camisa amarela - foram capazes de tomar uma atitude digna de um bom zagueiro senão lançar aquele trapo serelepe ao chão.
O lance mágico fora como a libertação do futebol-arte, antes preso e adormecido. Devido ao malabarismo à la Solei, provou ao torcedor brasileiro que sim, tupiniquins, ainda existem improvisos, dribles, gingas, bailes e travessuras em meio ao monótono e robotizado futebol de então (com efeito, Messi e companhia ainda não existiam). Cada passada de pé de Robinho sobre a bola era como se escravos tomassem o açoite de seus senhores e os chicoteassem com ira as costas; como se judeus jogassem Hitler e seus asseclas na câmara de gás; como se índios selvagens tomassem cidades inteiras de volta a seus domínios; como se todos os vassalos obrigassem os senhores feudais a pagarem o quinto; como se as mulheres se impusessem fisicamente e levassem os homens a recorrer a uma “lei João da Penha”. Era a libertação total e irrestrita. O retorno a quem deve ser, de direito, o país do futebol. O final de uma era sem graça e enfadonha.
Ironicamente, o título santista sobre seu grande e quase intransponível rival pouco importa agora. O que fica, historicamente e a título de legado, é a lição de que sempre é possível vencer o pragmatismo, a doutrina rigorosa e a lava efervescente da grana que vai, pouco a pouco, invadindo a paixão que um povo nutre por algo. Por sermos passionais demais tornamo-nos alvos fáceis, adquiríveis, compráveis. Tentar recolocar a arte e o espetáculo no lugar que é seu de direito tornar-se-á, ano após ano, década após década, mais difícil, insustentável e hercúleo. Os Meninos da Vila, naquela ocasião, conseguiram acenar que isso é possível. Acreditemos.
(texto escrito, humildemente, por um santista incorrigível. Quem quiser tecer críticas de puro cunho passional sinta-se a vontade, mas os bons entendedores notarão que o que eu quis sustentar independe de qualquer paixão futebolística)