DE SÃO LUÍS GONZAGA À VILA VELHA
Por: josafá bonfim
Dia desses, por minha iniciativa e conta própria, com amigos, organizei uma pequena expedição pelo rio Mearim, em modesta e utilitária embarcação náutica, cujo percurso deu-se da sede atual da cidade de São Luís Gonzaga, (antiga Ipixuna, e antes vila do Machado, fundada pelo agricultor português José Machado, nas primeiras décadas do século de 1800), para o local da extinta Vila Velha, onde foi implantada a primeira sede da vila de São Luís Gonzaga do Alto Mearim, no ano de 1854. Esse local, nos dias atuais fica na divisa entre o município de São Luís Gonzaga e o de Bacabal na extensão do rio Mearim.
Não somávamos meia dúzia de aventureiros, cujo percurso, tinha como timoneiro do barco Manoel Alves Cunha, o Velho e como guia Martinho Dominense dos Santos, o Martin Galo Preto, pescadores experientes, tendo este último, lamentavelmente, falecido meses após a missão.
Ao contrário do que se possa imaginar, não dispúnhamos de ambientalistas, biólogos, arqueólogos, ativistas de ONGs, ou valores dessa ordem. Mas contávamos com o traquejo de pessoas simples da região, vividas e calejadas naquele meio, onde conscientes, há eras tiram seu sustento, do rio que majestosamente banha a região.
Com o motor girando e o barco a singrar nas águas turvas, aos poucos fomos constatando o alto nível de degradação, abandono e desolação, condições em que se encontra o velho rio, que já se mostra sufocado, embora ainda não esteja agonizando.
Não vamos gastar espaço nesse texto, lamentando sua malfadada sorte, apontando esse ou aquele culpado por tamanho desalinho. Prestamo-nos, pois, a conhecer melhor nossa realidade, e dar o nosso testemunho, alertando as autoridades afetas à questão, sejam a níveis municipal, estadual e federal, que por décadas se mostram insensíveis à nobre causa.
O baixo nível de preservação do Mearim é preocupante. Assoreando, as encostas de suas margens se diluem a cada estação invernosa, como massa de bolo em água. A mata ciliar que não é criminosamente devastada no cultivo de roças e plantio de pastagens, gradativamente vai se desmoronando com a ação das enchentes e se acumulando no seu leito, formando balseiros de matéria vegetal morta.
Em que pese as horas de perplexidade, também vivemos momentos prazerosos. Mergulhados em contemplação, avistamo-nos com agradáveis e receptivos ribeirinhos, embora em poucas ocasiões; lavando roupas, utensílios domésticos, ou cuidando de animais de serviço e montaria, nos antigos portos das localidades há anos desabitadas.
E por falar em portos, vislumbramos as marcas dos lugares onde existiram os portos da Impueira, Pindova, Santo Antonio dos Alves, Santa Filomena, da Lage, da Boa União e do Cavaco, todos na margem direita do rio. E portos do São Joaquim, Capim Duro, Santana, Remansinho, e Pinto Viana, na margem esquerda. Incrível..., todos desativados, senão extintos.
Pescadores artesanais iam se tornando mais raros no curso do rio à medida em que distanciávamos da sede da cidade, a ponto de serem quase inexistentes em distância mais acentuada da área urbana.
Não se enxergam mais habitações, bosques densos, sítios frondosos, nem pomares frutíferos. Percebem-se ainda, revoadas de algumas jaçanãs em bando. Assim como vôos solitários de Martim pescador, socó-birro, garça-branca, pato-dágua, sobre o céu que encobre o resquício da mata ciliar e a castigada vegetação aquática. As inhumas, os paturis e os manguarís, maiores aves da região pantanosa, encontram-se praticamente extintos no vale do rio, não nos dando o ar de sua graça.
As recentes estórias de pescadores do vale, quase não abordam mais casos citando mamíferos, e répteis do eco-sistema, embora saibamos da existência, mesmo que rara, de lontras, capivara, jacarés e as temíveis sucurujus, na caça à sua presa, na desembocadura dos lagos.
No quesito vegetação, as barrancas vez e outra ainda ostentam ingazeiras, imbaúba, berredo, maria-mole. No curso das águas não se vislumbra, mas ao sair da embarcação e subir as barrancas é possível constatar plantios de roça e grandes pastagens de fazendas de gado.
É o que ainda resta, do rio que levou o progresso para o médio e centro maranhense, desde os tempos do sonho do engenheiro francês João Etchegoein Portal. Baluarte que implantou a navegação a vapor na hidrovia do Mearim, nos idos de 1860. Sagrou-se como o primeiro navegador a bordo de um barco a vapor a percorrer o rio desde a Bahia de São Marcos em São Luís, até o encontro de rios na então pujante vila de Barra do Corda.
Após viagem agradável, que durou cerca de duas horas, por volta do meio dia de um lindo sábado de sol, sob o céu azul, tão azul, de cintilar as vistas, contrastando com o dia anterior chuvoso, chegamos enfim, ao lugar da extinta vila Velha. Primeira sede da antiga vila de São Luís Gonzaga do Alto Mearim, berço político administrativo e sócio-cultural do povo gonzaguense. Transferida em 1854, por decreto imperial do Imperador dom Pedro II, para a localidade Machado, onde até hoje é instalada a sede do município de São Luís Gonzaga do Maranhão.
Francisco, um esperto garoto morador do Cavaco, povoado vizinho ao nosso destino, foi o primeiro a nos apresentar as boas vindas, levando-nos ao convívio de seus familiares. Minutos após, contamos com o apoio e guia do lavrador João Batista Silva, filho adotivo do renomado umbandista da localidade, José Queiroz, já falecido, e ex-encarregado da fazenda de Hidenburgo Mussuri, vulgo Bubu, abastado fazendeiro bacabalense, também falecido, que fora dono de vasta área de terras, que inseria Vila Velha, Luziana, Santo Antonio dos Alves, Lago do Boi e Matinha.
A antiga vila, - em épocas remotas denominada Paióis - , foi um dos primeiros núcleos de povoação do então alto Mearim, atual Médio Mearim. Hoje, nada mais existe em suas terras, que possa lembrar seus anos de progresso, ou mesmo a sua existência, protagonizada por portugueses, cultivadores de arroz, parte oriundos do Arquipélago de Açores, seus primeiros ocupantes que se serviram do braço escravo negro, em sua maioria de Guiné. Tendo sido estes irmãos de cor, que inseriram o cuxá na culinária maranhense, costume trazido de suas origens fixadas no continente africano.
Desabitadas as agricultáveis terras de vegetação espessa da extinta vila Velha, encontram-se inseridas no Projeto de assentamento rural da Data Luziana, hoje pertencente ao território bacabalense, na divisa com o de São Luís Gonzaga, à margem direita do rio Mearim.
Do rastro da existência humana no lugar, além de mangueiras seculares, sobraram o rasgo das barrancas do antigo porto fluvial, e algumas catacumbas de um cemitério abandonado, que resistem ao tempo, dentre elas, uma adornada por ferragens retorcidas e desgastadas, atribuída a um certo “vigário desconhecido”, em cuja insígnia constam as iniciais JAC.
Um lugar sinistramente ermo. E pasmem..., além de extinto, não é possível mais se ver qualquer vestígio da existência do lugarejo. Uma constatação deplorável, de cortar a alma. As decisões políticas e administrativas, tangidas pelo implacável tempo, encarregaram-se de selar sua sorte, com um monótono e nostálgico adeus.
Mergulhados na presente constatação, cultuamos a esperança, ainda que tardia, da recuperação e revitalização do rio Mearim, com sua importante bacia hidrográfica, antes que seja irremediavelmente tarde, e da mesma forma que a vila, venha este a sucumbir.
Reportamo-nos a esse importante percurso do Mearim, por estarmos irmanamente inseridos na região, embora perceba-se que a questão gravita no curso de todo o rio e sua importante bacia. Acalentamos o desejo de as autoridades emanarem políticas públicas eficazes para o assunto.
Acerca disso, existe, embora no campo teórico, uma proposta com vistas à proteção do Baixo Mearim, a partir da Marinha, e do Ministério público, visando parcerias para a implementação de projetos de proteção ambiental. Incipiente, mas já é alguma coisa, embora, se aprovada e executada, a medida não contemple os demais percursos do rio.
É sem dúvida, uma boa causa para a sociedade civil organizada abraçar aqui na planície da província. Vez que no Planalto Central, os engravatados da corte, que se elegeram e ganham para nortear o destino da Nação, torçam o nariz para questões dessa natureza. E a razão é simples: É que esse tema, não é apropriado para cabalar votos, embora seja capaz de felicitar milhares de vidas humildes.
Josafá Bonfim
É poeta, cronista. Autor de SANZAGA-Resgate de Uma História.