NATAIS
Lendo o texto “NATAIS DA MINHA INFÂNCIA” da consóror Esther Ribeiro Gomes, sobre o natal e da maneira mercantilista como a festa é entendida nos dias atuais, lembrei-me de quando eu era menino/adolescente e via a preparação (muitas vezes também participava) para a grande festa da noite de natal, quando as pessoas se reuniam, geralmente na casa do membro mais velho da família, para confraternizar, cantar as melodias tradicionais e comer as delícias salgadas e os doces que só apareciam nessa época do ano.
(Nada melhor que umas rabanadas antes de ir para a cama no final da noite festiva).
Anoiteceu, o sino gemeu
e a gente ficou
feliz a rezar
papai Noel vê se você tem
a felicidade prá você me dar
eu pensei que todo mundo
fosse filho de papai Noel
que também felicidade
eu pensei que fosse uma
brincadeira de papel.
Sem dúvida alguma a casa mais festiva em todas as festas do ano, principalmente natal, era a do vizinho Augusto Santos.
Sertanejo pernambucano da cidade de S. José do Egito era pessoa simples, trabalhador honesto, amigo de todos e que fazia questão de receber a todo mundo em sua casa.
Não importava se eram os conhecidos da esposa, dona Amélia Gonçalves – inspetora estadual de ensino fundamental – ou dos três filhos, Fernando Augusto, Luiz Augusto (Lula) e Mercedes (Ceda) que eram meus colegas de molecagens de rua.
Seu Augusto fazia as compras das comidas e bebidas, Minervina (Nanam) a empregada da casa se encarregava de cozinhar o que havia sido temperado por ela e dona Amélia.
As crianças, comigo no meio deles, sob a orientação de dona Amélia, cuidava dos retoques da montagem da decoração natalina que havia começado nos fins de novembro.
Árvore grande, feita com galhos de goiabeira com algodão pregado para fingir que era neve, cheia de catre vage*, enfeites de todos os tipos, industrializados ou manufaturados por aquela bondosa senhora que distribuía as tarefas, reservando as piores para os próprios filhos.
Entendam-se piores as que mais sujavam, como passar grude ou goma arábica no que precisava ser colado (nessa época ainda não tinham inventado a cola branca nem a miraculosa cola quente);
pintar com tinta a óleo (que fedia a querosene e dava um trabalhão para sair das mãos), as cercas feitas com papelão de caixas de sapato e palitos de picolé;
ou espalhar ao sol, para secar, o pó de serra tingido com anilina, ou café, ou chá de cascas de cebola, que seria utilizado para fazer os caminhos do presépio.
Montado num tabuleiro maior que uma porta e que ocupava grande parte da sala da casa, o presépio tinha até lago (feito com um espelho sem moldura) onde ficavam os cisnes.
As peças danificadas pela forma descuidada como haviam sido guardadas de um ano para outro, eram repintadas, emendadas e gloriosamente colocadas nos diversos ambientes do enorme presépio que tinha vaquinhas, burros, galo, carneiros, reis magos, pastores, poço, manjedoura, camelos, anjo com a faixa onde se lia “GLORIA IN EXCELSIS DEO”, Maria, Jesus e José, vasinhos com alpiste recém germinado, capim seco, muitas lâmpadas coloridas, o escambau...
Tinha até um genuflexório para que os mais religiosos pudessem fazer, confortavelmente, as orações diante da reprodução da cena do nascimento do salvador.
Noite feliz,
noite feliz,
o senhor deus de amor
pobrezinho nasceu em Belém
eis na lapa Jesus nosso bem
dorme em paz oh Jesus
dorme em paz oh Jesus.
Cantávamos todos “perseguindo” os instrumentos tocados por seu Augusto que, apesar de nunca ter frequentado escola de música, tocava violão, flauta, clarinete, sanfona e qualquer instrumento de percussão.
Nessas ocasiões, Helena, que morava com a madrinha a dona Ritinha, vizinha da casa do lado esquerdo, também tocava sanfona.
Depois da missa do galo, líamos os cartões que haviam ficado ao pé da árvore.
Nem sempre ganhávamos presentes, porque o maior presente era participar daquela festa onde o convívio fraterno dos vizinhos, o amor das famílias e a alegria de todos, era o significado maior do nascimento de Jesus.
Adeste fideles
laeti triumphantes
venite, venite in Bethlehem
natum videte, regem angelorum
venite adoremus,
venite adoremus,
venite adoremus dominum.
GLOSSÁRIO
Catre vage = amontoado de coisas, o mesmo que bugiganga. Talvez a forma vulgarizada de dizer quatre-vingts (oitenta em francês)