Devoção na velhice
Fiquei mais velho! Foi no dia 5 de março.
A primeira amiga - ela sabia a minha idade - que encontrei na rua, foi logo me dizendo: - "Oh! como você está bem! Não diz a idade que tem." Lembrei-me imediatamente do que afirmara o impagável Pitigrilli: "Quando alguém lhe disser que você não aparenta a sua idade, fique certo de que essa pessoa mente."
No meu gabinete de trabalho tenho um relógio de parede que me acompanha há mais de vinte e tantos anos. Quando ele anunciou a chegada do dia 5, recordei-me deste pensamento do Mario Quintana: "Não se devia permitir nos relógios de parede esses ponteiros que marcam os segundos: eles nos envelhecem muito mais que o ponteiro das horas."
O dia 5 foi um dia de sol esplendoroso, mas não fui à praia. Só gosto do banho de mar quando estou veraneando. É complicado estacionar na orla de Salvador e depois ter de voltar para casa coberto de areia e com o calção encharcado. Tudo isso me incomoda.
A data podia ter sido festejada com uma cervejinha gelada, não estivesse eu cumprindo rigoroso regime alimentar que me fora imposto, em boa hora, pela minha dedicada médica. O jeito foi trocar a cerveja pelo suco de laranja e sem açúcar.
Para me livrar da tentação, passei bem longe do delicioso acarajé da Alice, o melhor acarajé da Pituba.
Restou-me curtir o meu aniversário entre os livros dos autores que mais gosto; Humberto de Campos, por exemplo.
Aproveito o espaço para manifestar minha insatisfação com o abandono ao qual vem sendo condenado o admirável escritor maranhense. As editoras simplesmente esqueceram esse maravilhoso cronista. Por quê?
Nos últimos tempos, numa iniciativa elogiável, a Globo Editora está editando os melhores contos e melhores crônicas de autores famosos, como Rachel de Queiroz, José de Alencar e Machado de Assis.
Por que não aproveitar o embalo e brindar os amantes da boa leitura com as melhores crônicas do autor (foto) de Sombras que sofrem?
Como queria uma leitura bem leve, tirei da estante Gansos do Capitólio, um dos melhores livros do Humberto. Em poucas horas, reli e me diverti com a formidável prosa do admirável Conselheiro X.X.
Muito bem. Em Gansos do Capitólio, Humberto de Campos conta, na crônica A idade e a devoção, os encontros do velho Conselheiro Costa com Elisa Sobreira.
No primeiro encontro, ela ainda muito nova, apresenta-se ao Conselheiro como devota de Nossa Senhora de Lourdes.
No segundo encontro, anos depois, Elisa, mais madura, se disse devota do Coração de Jesus; e explica, assim, ao Conselheiro por que mudara de devoção: "Só os corações que sangram, como o Dele, podem compreender os corações que também padecem."
Passadas algumas décadas, dá-se o terceiro e último encontro. Elisa, agora, diz Humberto, "transformada, apenas, na saudade do que foi", era uma velha, e estava no caritó.
O Conselheiro, então, peguntou-lhe pelo Coração de Jesus. E ela o surpreende, afirmando que trocara o Coração de Jesus por DEUS! E justificou: "Na minha idade, Conselheiro, a gente vai logo a Deus... Parece que, como velho, Ele nos atende melhor."
Tenho alardeado, e faço isso há muitos anos, que o santo de minha devoção é Francisco de Assis. Às minha crônicas, lhes dou, vez em quando, um toque seráfico. Não sei se o Poverello de Assis se sente incomodado com essa exagerada devoção.
Mas eu queria dizer que envelheço, mas não troco a devoção. Continuarei com Francisco das Chagas. No dia 5, renovei minha admiração por ele.
Estou feliz. Mas, como o saudoso Quintana, eu também preferia que os relógios não tivessem os ponteiros que marcam os segundos: "eles nos envelhecem muito mais que o ponteiro das horas" ... magistral observação do menestrel dos Pampas...
Fiquei mais velho! Foi no dia 5 de março.
A primeira amiga - ela sabia a minha idade - que encontrei na rua, foi logo me dizendo: - "Oh! como você está bem! Não diz a idade que tem." Lembrei-me imediatamente do que afirmara o impagável Pitigrilli: "Quando alguém lhe disser que você não aparenta a sua idade, fique certo de que essa pessoa mente."
No meu gabinete de trabalho tenho um relógio de parede que me acompanha há mais de vinte e tantos anos. Quando ele anunciou a chegada do dia 5, recordei-me deste pensamento do Mario Quintana: "Não se devia permitir nos relógios de parede esses ponteiros que marcam os segundos: eles nos envelhecem muito mais que o ponteiro das horas."
O dia 5 foi um dia de sol esplendoroso, mas não fui à praia. Só gosto do banho de mar quando estou veraneando. É complicado estacionar na orla de Salvador e depois ter de voltar para casa coberto de areia e com o calção encharcado. Tudo isso me incomoda.
A data podia ter sido festejada com uma cervejinha gelada, não estivesse eu cumprindo rigoroso regime alimentar que me fora imposto, em boa hora, pela minha dedicada médica. O jeito foi trocar a cerveja pelo suco de laranja e sem açúcar.
Para me livrar da tentação, passei bem longe do delicioso acarajé da Alice, o melhor acarajé da Pituba.
Restou-me curtir o meu aniversário entre os livros dos autores que mais gosto; Humberto de Campos, por exemplo.
Aproveito o espaço para manifestar minha insatisfação com o abandono ao qual vem sendo condenado o admirável escritor maranhense. As editoras simplesmente esqueceram esse maravilhoso cronista. Por quê?
Nos últimos tempos, numa iniciativa elogiável, a Globo Editora está editando os melhores contos e melhores crônicas de autores famosos, como Rachel de Queiroz, José de Alencar e Machado de Assis.
Por que não aproveitar o embalo e brindar os amantes da boa leitura com as melhores crônicas do autor (foto) de Sombras que sofrem?
Como queria uma leitura bem leve, tirei da estante Gansos do Capitólio, um dos melhores livros do Humberto. Em poucas horas, reli e me diverti com a formidável prosa do admirável Conselheiro X.X.
Muito bem. Em Gansos do Capitólio, Humberto de Campos conta, na crônica A idade e a devoção, os encontros do velho Conselheiro Costa com Elisa Sobreira.
No primeiro encontro, ela ainda muito nova, apresenta-se ao Conselheiro como devota de Nossa Senhora de Lourdes.
No segundo encontro, anos depois, Elisa, mais madura, se disse devota do Coração de Jesus; e explica, assim, ao Conselheiro por que mudara de devoção: "Só os corações que sangram, como o Dele, podem compreender os corações que também padecem."
Passadas algumas décadas, dá-se o terceiro e último encontro. Elisa, agora, diz Humberto, "transformada, apenas, na saudade do que foi", era uma velha, e estava no caritó.
O Conselheiro, então, peguntou-lhe pelo Coração de Jesus. E ela o surpreende, afirmando que trocara o Coração de Jesus por DEUS! E justificou: "Na minha idade, Conselheiro, a gente vai logo a Deus... Parece que, como velho, Ele nos atende melhor."
Tenho alardeado, e faço isso há muitos anos, que o santo de minha devoção é Francisco de Assis. Às minha crônicas, lhes dou, vez em quando, um toque seráfico. Não sei se o Poverello de Assis se sente incomodado com essa exagerada devoção.
Mas eu queria dizer que envelheço, mas não troco a devoção. Continuarei com Francisco das Chagas. No dia 5, renovei minha admiração por ele.
Estou feliz. Mas, como o saudoso Quintana, eu também preferia que os relógios não tivessem os ponteiros que marcam os segundos: "eles nos envelhecem muito mais que o ponteiro das horas" ... magistral observação do menestrel dos Pampas...