A prisão em flagrante por qualquer do povo
Um dia desses, eu conversava com um amigo sobre certa atividade pública que, tanto em Marabá quanto nas demais cidades brasileiras, é uma fonte escandalosa de corrupção ativa e passiva – embora em Marabá, talvez, atualmente a situação seja acentuadamente pior do que em muitas outras cidades. Em dado momento da conversa, eu disse que daria voz de prisão em flagrante ao corrupto, se me visse em uma de tais situações. Imediatamente, o amigo, admirado, me perguntou: “Doutor, advogado pode dar voz de prisão a alguém?” E eu, claro, respondi que sim, explicando-lhe a situação em que isso pode ser feito.
Existe diferença entre o poder e o dever: aquele, o poder, é faculdade; este, o dever, é obrigação. Isso vale para quase todos os segmentos da atividade humana, se não para todos. No campo de aplicação do Direito Penal e Processual Penal, no que diz respeito à prisão de quem é apanhado em flagrante delito, não é diferente. Uns podem prender, mas não são obrigados a fazê-lo; outros devem prender, ou seja, são obrigados a fazê-lo.
No artigo 301 do Código de Processo Penal, que foi totalmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988 – a “Constituição Cidadã”, de Ulysses Guimarães – está escrito: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
Qualquer do povo poderá prender em flagrante; as autoridades policiais e seus agentes deverão. Daí que existe o flagrante facultativo, quando se trata de qualquer pessoa do povo, e o flagrante compulsório, quando se trata de autoridade policial ou de agente da autoridade policial.
Se alguém comete um crime que o sujeita à prisão em flagrante e é preso por qualquer pessoa do povo, ou por policial civil de folga, ou por policial militar à paisana, ou por qualquer autoridade que não seja policial, a prisão será plenamente válida, devendo ser conduzido à presença de quem tenha autoridade para lavrar o auto de prisão em flagrante e adotar as demais medidas legais cabíveis. É uma questão de exercício da cidadania.
O cuidado que a pessoa do povo ou qualquer autoridade que não seja policial deve tomar é para não se expor ao risco, tentando efetuar a prisão. Se puder fazê-lo sem pôr a própria vida ou incolumidade física em risco, é bom que efetue a prisão. Se houver risco, deverá abster-se e comunicar o fato, com a urgência possível, à autoridade policial mais próxima.
Outro aspecto interessante que muitos não sabem – e por isso é bom que aqui se diga – é que a vítima, o próprio ofendido, pode efetuar a prisão em flagrante do infrator, sem que haja qualquer invalidez ou ilegalidade nisso. O ato da prisão será inteiramente válido e legítimo.
O problema é que, muitas vezes, quem não tem formação jurídica não sabe se o caso é de flagrante ou se não é. Há, porém, como todos nós sabemos, os casos e mais casos em que essa dúvida não existe, não tem razão de existir. E nesses casos qualquer pessoa do povo está autorizada a prender em flagrante o acusado, se puder fazê-lo sem se arriscar ou se expor a perigo.
Corrupto e corruptor são bandidos da mesma espécie, pássaros da mesma pena, e bandido é bandido. Se eu for vítima de corrupção ativa e puder prender o corrupto, eu o prenderei, com firmeza e galhardia, porque isso, além de um direito de fazer, é um exercício nobre de cidadania. Não é somente a letra, é também o espírito da lei.