FANATISMO
Talvez o fanatismo que embota o raciocínio lógico, que domina os sentimentos e torna a pessoa insensível física e psicologicamente falando, seja uma consequência da hipnose coletiva, ou não, a que o indivíduo se entrega, sem reservas, sem pudor, inconsequentemente.
Numa análise mais acurada das expressões faciais, da linguagem corporal e das palavras, quando essas pessoas, em transe, conseguem falar alguma coisa inteligível, notamos que o objeto da idolatria é entendido como ser vivo, onipotente, intocável.
Qualquer que seja esse ídolo, uma religião, um partido político, uma agremiação qualquer (escola de samba, bloco carnavalesco, etc.), mas, principalmente, quando se trata de time de futebol, os fanáticos veem essas entidades como seres imaculados para os quais, toda dedicação é pouca e que eles devem ser defendidos, se preciso, com o sacrifício da própria vida.
O ser humano é um animal gregário cuja reprodução demanda o longo período maior do que duzentos e cinquenta dias (quase 70% do ano) e que depois do parto, as crias são aleitadas pela fêmea da espécie, e são totalmente dependentes dos mais velhos até os quatro anos de idade.
Talvez essa dependência dos parentais faça com que a pessoa sinta, por toda vida, a necessidade de um guia que seja o substituto natural daquela pessoa que lhe proveu o sustento, o abrigo e a proteção desde a mais tenra idade.
Nesse período da vida, tudo que nos cerca é grande.
Os espaços, os móveis, as pessoas, praticamente tudo são gigantescos aos nossos olhos.
Quantos de nós não sentiu a desilusão de, em retornando ao local da primeira infância, constatar pequena a casa (que nos parecia imensa); de rever o vizinho carrancudo que era tão alto que precisávamos olhar para cima e que agora, muitas vezes, temos que olhar para baixo, para ver aquele velhinho sorridente, que deixou de ser carrancudo, se é que o foi em algum momento;
de ver reduzido a um filete d’água, aquilo que era nosso rio caudaloso...
E tantas outras desilusões...
Talvez para não nos sentirmos órfãos, inconscientemente, nós elegemos os ídolos que irão ocupar o vazio psicológico criado pelo passar dos anos, que ao final nos tornaram adultos.
Esses ídolos, geralmente imateriais, são deuses, santos, guias espirituais, ideologias políticas ou agremiações, principalmente, as de futebol.
Outra necessidade do ser humano é a tridimensionalidade, as coisas precisam ser palpáveis, devem ter forma definida, precisam de cor e textura e para sanar essa carência, elegemos os heróis.
Essa deve ser a explicação para supervalorizarmos os jogadores de futebol que, por possuírem alguma habilidade com a bola, são contratados com salários estratosféricos, num total desrespeito aos profissionais formados pelas academias e que são os responsáveis diretos pela educação, pela cultura científica e por tudo aquilo que a nação necessita além do “panem et circenses”.
Domingo 02/12 foi o dia do encerramento do Brasileirão (o maior campeonato de futebol do mundo) e os times que foram rebaixados, receberam as maiores demonstrações de “amor” e de “fidelidade” dos seus torcedores que, apesar de acompanhar desde sempre a derrocada do time, por problemas com a qualidade dos seus jogadores, por decisões erradas ou mesmo pelos conchavos das diretorias, que acertam extra campo, as vitórias e derrotas por vantagens financeiras, são levados pelo fanatismo que os impede de fazer a análise com isenção, a fazer em público, as mais bizarras demonstrações de amor e fidelidade.
Os noticiários deram conta das cenas de histeria coletiva (e explícita) dos torcedores corintianos pelas vias públicas da capital e que chegaram ao absurdo de soltar rojões e outros fogos de artifício no salão de passageiros do principal aeroporto do país, simplesmente porque os jogadores do time estavam embarcando para o mundial de clubes no Japão, sem nem uma garantia de que voltarão vitoriosos, ostentando a taça de campeões.
Hoje eles conseguiram 1x0 na primeira partida, vitória magra, mas vitória.