O (Re) Encontro
Estava sentada em sua cadeira de balanço há pelo menos uns trinta minutos. Durante este momento, rememorava os seus dias passados, a sua juventude, a sua mocidade. Uma época distante, em que tudo se assemelhava a rosas, e os problemas eram tão passageiros quanto a brisa que há dois minutos soprara na varanda de sua casa.
A doce senhora tinha uma pele enrugada, e os seus fios brancos demonstravam uma vivência longa que tanto lhe propiciara experiência e conhecimento. Sua estatura baixa era característica de sua família. Seus pais, seus irmãos, todos os parentes possuíam aquela média de altura. Possuía ainda a cor branca, e os olhos azuis. Estes últimos vieram de seus avós, que haviam desembarcado aqui no Brasil, mas eram provenientes da raça ariana.
Naquele momento, ela olhava um pássaro que pousara num dos galhos do jambeiro. Dali onde estava sentada, podia ver as flores de seu jardim e algumas poucas árvores que seu esposo plantara quando ali vieram morar. Via também, mais à frente, o portãozinho verde e enferrujado pelo tempo, que dava para a rua.
Naquela morada tranqüila, foram anos intensos de felicidade ao lado de seu companheiro. Muitas luas haviam sido admiradas pelos dois, ali mesmo, naquela varanda. Por vezes, sentavam-se em suas cadeiras, davam-se as mãos e ficavam a rememorar os primeiros tempos de casados, o nascimento do primeiro filho, as traquinagens de seus meninos com os filhos dos vizinhos. Tempos passados e vividos que não voltavam mais. Aquela casa, toda aquela construção antiga constituía tudo de significativo que havia em suas lembranças. Ali vivera mais de quatro décadas com o seu esposo. Ainda estavam em lua de mel quando vieram habitar aquela residência. A casa era sempre alegre com os meninos correndo, brincando, muitas vezes brigando. Era sempre alegre com o marido chegando do trabalho para o almoço, onde ela quase sempre o recebia com um sorriso e o banho já preparado.
Agora se encontrava sozinha, sentada em sua cadeira. E a cadeira do lado vazia. Doce saudade sentira de súbito de seu companheiro que havia partido há menos de um ano. Deixara-lhe sozinha. E ela ainda não se acostumara com a solidão de seus dias.
Os três filhos haviam crescido, estavam formados, casados e distantes. Apenas nos grandes feriados apareciam com os netos, e a casa tornava-se novamente alegre por alguns poucos dias. Quando se iam, tudo voltava àquela monotonia e a pobre senhora retornava aos seus momentos de nostalgia, como aquele que ela vivenciava no momento.
Do seu canto, onde se encontrava sentada, olhou debaixo da árvore próxima e percebeu a areia totalmente rosada. Era a época do ano em que o jambeiro florescia. Lentamente, levantou-se e caminhou até o interior da casa. Não demorou muito e voltou com uma vassoura nas mãos. E varreu todo o chão, rememorando as muitas vezes que já havia varrido aquela terra, e o quanto aquele espaço tinha servido para as brincadeiras dos filhos. A senhora colheu ainda algumas margaridas que haviam florescido naquela manha e, em seguida, caminhou para o interior da casa.
Guardou a vassoura. Colocou as flores num jarro. O almoço já estava pronto. A velhinha, então, soltou os cabelos, pegou uma toalha e dirigiu-se ao banheiro. Suavemente, a água fria banhou-lhe o corpo. Os pingos que caíam do chuveiro a fizeram lembrar da chuva que caíra no dia de seu casamento. No dia em que se unira definitivamente ao seu grande amor e companheiro.
Coincidentemente, lá fora, também começou a chover. Chovia com a mesma intensidade daquele dia. O barulho era tão semelhante, que até pareciam ser a mesma chuva e os mesmos pingos d’água. Ela teve uma forte impressão de estar voltando no tempo.
Sentiu uma sensação estranha no corpo. Não, não quis mais ir almoçar. Não sentia fome. O corpo pedia-lhe um descanso. Resolveu, então, ir deitar e aproveitar, para tomar um cochilo, aquele barulho gostoso dos pingos da chuva caindo no telhado.
Ao fechar os olhos, a lembrança do dia de seu casamento veio mais forte em sua memória. Alguns minutos depois, estava dormindo. O sono era profundo, tranqüilo, suave. Muito suave, mas profundo o bastante para levá-la a um novo encontro, ou melhor, fazê-la retornar aos braços de quem tanto amava e de quem tanto sentia saudades.
O reencontro, enfim, aconteceu.
Autor: Ranovi Vieira