O corintiano e o sociólogo
Nesses dias em que estamos à toa refletindo mesmices em uma mesa de bar vi sentado ao meu lado um homem cujas rugas e o branco dos cabelos denunciava implacavelmente as marcas do tempo que lia avidamente num jornal barato a página sobre futebol. Quieto, inicialmente, seu modo mudou quando querendo puxar conversa perguntei sobre quem havia vencido o jogo no domingo. Olhou-me fixamente e disse, quase rosnando, perdemos! Talvez por impulso, talvez por curiosidade, continuei perguntando: qual é o seu time? Sou corintiano! Respondeu. Tal fato aguçou minha curiosidade. Ele não disse o nome do time e sim, sou corintiano. Silêncio total. Resolvi não arriscar mais perguntando e quase já pedindo a conta para sair eis que, repentinamente, levantou-se, sentou ao meu lado, sem pedir e com olhos juvenis discorreu sem permitir apartes sobre um tema que há muito desperta minha atenção: a relação contemporânea entre a fé, a crença e o sagrado.
Meu amigo, falou em tom quase pausado: ser corintiano é algo inexplicável, seja por palavras, gestos ou frases. É algo que somente quem o é, consegue entender.
O dia de jogo do Corinthians, aqui ou do outro lado do mundo, não é um dia comum. As horas demoram a passar. À medida que os segundos e minutos se sucedem aumenta o pulsar dos corações apaixonados. Mesmo a distância, a visão do estádio cheio ecoando o grito de guerra ofusca pensamentos que não seja o do brilho incomum de onze guerreiros deslizando sobre o tapete verde que reflete orgulhosamente a crença emotivamente vencedora do seu destino.
O hino profético que exalta sua glória e enaltece seu passado vai tomando conta dos sentidos criando uma atmosfera de encantamento e magia que aumenta o sentimento da fidelidade que perpetua a força dominadora da religião. O brado incontido VAI CORINTHIANS ecoa forte e uníssono na voz de milhares de fieis seguidores.
Guerreiros sem rostos vestidos de branco e preto perfilados orgulhosamente sob o manto sagrado preparam-se para a batalha protegidos por centenas de corações e mentes que acreditam fielmente na força da vitória. O choro contido no peito, os olhos mareados pela alegria de encontrar um tesouro, afasta temores fulminados pelo calor provocado nos gritos pela grande emoção dos seus gols.
Seu nome é divino, seu hino é contagiante, seus guerreiros são valentes, as cores que emolduram seu brasão são poderosas saciando a paixão que domina todos aqueles que beberam de sua fonte. No sorriso de bocas cansadas, no abraço de mãos que nunca se aproximam, irmãos se congratulam generosamente movidos pela paixão surgida desde as primeiras horas da vida ancorada na existência consciente de serem queridos e orgulhosos filhos que seu manto sagrado abrigou.
Ser corintiano é ter puro sentimento de lealdade intocável. Contém uma verdade que somente a alma pode sentir. Com a devida licença poética talvez Camões pudesse profetizar esse sentimento quando escreveu sobre o amor: “É um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer”. Isto é ser corintiano, amigo. É ser CORINTHIANS, falou solene! E se foi, lépido, nem mesmo disse o seu nome... .