EL BOCÓN E MULHERES DEFICIENTES
José Manuel Castelo Bragaño, do PP - partido Popular espanhol, que está no governo, era presidente da Comissão de Educação e Cultura do Conselho Geral de Cidadania no Exterior. Era até cinco dias atrás; ficou no cargo esse tempo. Isso porque pediu – ou foi como é de praxe entre altos funcionários de governo, aconselhado a pedir demissão. Bragaño é o que se pode chamar de “bocão”. Não que sua boca seja de tamanho exagerado, enorme; é que dela saiu uma daquelas frases “impensadas”, já que são confeccionadas no intestino grosso e não, como se sabe, no cérebro dos indivíduos humanos.
Na contagem de votos para oficializar um documento da comissão de educação e cultura do órgão de preside faltava apenas um voto; o voto que oficializaria o documento. “Está tudo bem. Há nove votos? Coloque 10! As leis são como as mulheres, existem para serem violadas”.
A última frase causou fulminante impacto em toda a Espanha, divulgada pelo jornal El País, sobre tudo entre as mulheres, certamente. “El bocón” ao expelir a frase urdida no intestino grosso, foi acusado de machista e de mais outras indignações. Ofendendo as mulheres e tripudiando sobre as leis, Bragaño cometeu uma grosseria intolerável e um delito, talvez, crime, já que fez apologia ao desrespeito as leis. Além disso, fraudou o resultado de uma votação ao acrescentar um voto a mais no resultado. A ofensa às mulheres pode ser tratada com desprezo; que as mulheres o desprezem! A apologia à violação das leis e a fraude que cometeu, essas sim, deveriam ser tratadas com o julgamento e a condenação de um tribunal legalmente constituído.
Mas ele desculpou-se e, lá como cá, tudo ficou acomodado; o dito pelo não dito. De bandido passou a vítima quando disse: ”Eu sinto muito. Lamento profundamente o que aconteceu.” – na verdade não aconteceu aleatoriamente, e disse – “E duplamente: por aqueles que me ouviam, quase todas (sic) mulheres, porque lhes gerou dor; e por mim, porque eu construí um edifício que está caindo sobre mim”. Coitado!Sai de baixo!
Os jovens que me leem talvez não saibam que Danuza Leão, que escreve crônicas na Folha de São Paulo há uma década, além de ser irmã da cantora Nara Leão, morta em 1989, beirando os 50 anos, também foi casada com o jornalista Samuel Wainer. Nara Leão foi uma espécie de musa da Bossa Nova, aquele tipo de música criada em Ipanema no Rio de Janeiro. Samuel Wainer, morto em 1980 fundou e dirigiu o jornal Última Hora, um império jornalístico com edições regionais até 1972.Era muito rico, boêmio e casou-se com Danuza Leão, uma jovem modelo da alta burguesia carioca. Danuza tornou-se colunista da Folha de São Paulo sem perder o charme burguês; hoje reclama que não se pode mais viajar a Paris sem correr o risco de encontra-se com o porteiro do prédio. Depois de escrever essa bobagem pediu desculpas.
Regina Casé num programa que tem numa TV, que trata, entre outros assuntos de “inclusão social”, que ninguém sabe direito do que se trata, e confunde com soltar bandidos da cadeia, dar esmola mensal a “minorias” e outras estultices. Pois na plateia estavam diversos deficientes físicos tratados na Rede Sara Kubitschek. Regina Casé, então, conclamou a plateia a dar um “xô preconceito” pedindo a todos levantar a mão. A situação ridícula e de mau gosto, que a imprensa chama de constrangedora somente, piorou quando a apresentadora resolveu fazer uma emenda que ficou pior do que o soneto, dizendo: “quem puder levantar a mão né?”.
Na abertura da Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, em Brasília, terça-feira passada, Dilma Rousseff, atordoada com a própria e original herança maldita, foi vaiada pelo público quando usou a expressão “portadores de deficiência” em sua peroração inaugural. A presidente, que quer por que quer ser chamada de presidentA, foi advertida por seu neurônio solitário, e desculpou-se: “eu quis dizer pessoa com deficiência”. E continuou piorando a situação: “eu entendo que vocês tenham esse problema. Portador não é muito humano, né? Pessoa é.” Com o mesmo “né” da Regina Casé, com o perdão da rima, e usando a mesma artimanha de pedir desculpas, como fizeram o espanhol Bragaño, e a carioca Danuza, Dilma recebeu calorosos aplausos.
Dizer ou escrever besteiras tá liberado; depois é só pedir desculpas, o que é politicamente correto, e falsamente aceito. É como pecar e rezar; tá perdoado. A culpa, a falta, a ofensa desaparecem sem outra reparação. É como se o ofendido, o agredido por uma palavra ou frase “infeliz” se desse por satisfeito com o pedido de desculpa; apenas uma questão semântica a qual se da mais importância do que a real intenção, do conteúdo intencional de quem profere a “gafe”. Qual a diferença entre uma pessoa “portadora de deficiência” e uma “pessoa com deficiência?” Jerry Fodor da Rutgers University, esclarece a questão: “ Se o significado parece estar em todos os lugares, isso é porque ele é usado como um termo abrangente para vários tipos de coisas que são, na verdade, bem diferentes umas das outras. “Significado” é, em suma, radicalmente ambíguo; sem contar que ele turva a água de diversas maneiras.
Por exemplo, o significado em noções como “o significado de uma palavra” é bem diferente do significado em “fumaça significa fogo”, que, por sua vez, é bem diferente do significado em “Não consigo nem dizer o quão pouco a fenomenologia significa para mim”. É bem fácil mostrar que isso é assim mesmo. Considere o seguinte raciocínio: “‘Fumaça’ significa fumaça; fumaça significa fogo; logo, ‘fumaça’ significa fogo”. Claramente o raciocínio mostra a ambiguidade de “significa”: na primeira premissa, “significa” significa algo como FAZ REFERÊNCIA A; na segunda premissa,significa algo como INDICA. Se, contudo, você achar que o “significa” significa a mesma coisa nas duas premissas, você não conseguirá explicar por que o raciocínio não é válido.”
Ora fazer referência a alguém que possui ou é portador de deficiência física, indica que essa pessoa é deficiente físico. Não há porque ofender-se se não for por ofensa.
Achar constrangedor encontra-se com o porteiro do prédio em Paris é muito menos inconveniente do que encontrar-se com um Governador de Estado saracoteando num restaurante parisiense com o guardanapo enrolado na cabeça. O porteiro alcançou uma condição que desejava e continua porteiro, assim como um governador comportando-se de maneira inconveniente continua sendo um governador inconveniente.
Penso que fingir ideias e sentimentos é hipocrisia; é fingir corretos e virtuosos comportamentos socialmente aceitos. Todavia Rochefoucauld afirmou que “a hipocrisia é a homenagem que o vício presta a virtude.” O que a meu ver é o mesmo que acabei de escrever.