SIMPLESMENTE JOSÉ
Todos os dias, no caminho de casa para o trabalho, passo pelo Ibirapuera e acesso a Juscelino Kubstchek, cruzando a Av. República do Líbano e sigo para Alphaville em meio ao trânsito caótico de São Paulo.
Normalmente este trajeto é automático, quase não noto nem as curvas que faço, a não ser um pouco mais de atenção nos cruzamentos, quando paro, por força da violência a que estamos submetidos por morarmos numa Cidade como a nossa. É exatamente por força desta violência que, nestes últimos meu estado de espírito tem sofrido um pouco, causando uma certa desilusão e falta de esperança na evolução humana.
É certo que este trajeto é muito bonito. Quando, diante do Parque do Ibirapuera, vejo pessoas bonitas praticando esportes e, reconheço, desperta-me um pouco de inveja, pois a mim resta apenas ficar atento ao trânsito e, certamente gostaria de estar fazendo o mesmo que eles. O andar lento dos carros, apesar da vontade de estar fora do meu, me faz apreciar ainda mais a paisagem. Quando chego próximo ao monumento às Bandeiras (o famoso “deixa que eu empurro”), o visual fica muito mais atraente e sigo para o cruzamento da República do Líbano. Bem, é ali que este texto ganhou motivo para ser escrito.
Ali, a despeito de todas as atrocidades a que a Cidade está submetida, um jovem ganha seu pão, mendigando diariamente. Seria um ato comum, ou apenas mais mendigo como tantos outros não fosse algumas particularidades. Este jovem, não deve ter mais do que 25 anos, tem as duas pernas atrofiadas, mais ou menos vinte centímetros e sem nenhum movimento. Já os braços e o tórax são bem avantajados, obviamente pelo esforço que ele deve fazer para se movimentar apoiado em seu “skate” adaptado. Trata-se de um carrinho, com rodas levemente maiores do que as de um skate que ele habilmente utiliza como se fosse uma extensão de seu corpo.
Não raro, quando passo por ali, o farol está fechado. Eu, do conforto do meu carro, faça sol ou chuva, aprecio a disposição deste rapaz. Para todos, sem exceção ele tem um sorriso a ofertar e, para as moças um prêmio especial, além do sorriso elas ganham um beijo estalado jogado ao vento. Neste ponto preciso fazer uma correção, ele não mendiga, ao contrário, pede uma ajuda e ganha todo o tipo de “contribuição” e muitos sorrisos em troca. À distância eu sempre o observo e me questiono: de onde ele tira todo essa boa vontade? De onde?
Bem, hoje tive a oportunidade para desvendar, um pouco, este mistério. Ao chegar no dito cruzamento tive que parar meu carro em um posto de combustível para abastecer e, lá, conversando com um frentista estava o jovem. Não perdi a oportunidade e desci para “tentar” estabelecer um contato (como se ele fosse um alienígena). Foi uma grata satisfação, pois não precisei fazer nenhum esforço. Ao me aproximar, o jovem me ofertou seu grande e dentado sorriso e soltou: fala aí chefe, tudo certo? Eu, embevecido, respondi que estava tudo ótimo. De nossa curta conversa, pude saber que ele é oriundo de família pobre e que todos os dias vem passear na República do Líbano. Vejam, para ele, aquilo é um passeio. Enquanto conversávamos algumas pessoas passavam por nós e nenhuma escapava de seu sorriso e dos beijos estalados para as senhoras, uma preciosidade!
Depois de um tempo de conversa sou despertado pelo frentista que me pergunta qual a senha do cartão, pois eu já havia me esquecido que estava num posto de combustível. Digitei a senha, peguei o comprovante, dei um aperto de mão no jovem e fui em direção ao carro quando, me dei conta que nem havia perguntado seu nome. Voltei e perguntei:
- Qual é o seu nome?
- José – respondeu enfático.
- Do quê?
- Simplesmente José.
Assim, José, simples como deveria ser nossa vida.