Luiz Gonzaga, o injustiçado


                         Em minhas canções eu procuro
                         sempre o caminho do povo.
                                                  Luiz Gonzaga


     Sei que este mês muita coisa bonita será escrita sobre a vida e a obra de Luiz Gonzaga. Todo muito vai querer homenagear o saudoso sanfoneiro, no seu centenário. E por que não eu? 
     Eis-me, pois, aqui também celebrando os cem anos do inesquecível Lua, "sua sanfona e sua simpatia", assim ele era apresentado por Paulo Gracindo, no seu programa, não sei se na Rádio Nacional ou na Mayrink Veiga.
     Gracindo, que também lhe conferiu o título de Rei do baião; título que ele honrou até morrer. Foi um artista completo e exemplar.  Disse uma vez que  a carreira artística foi para ele "uma autêntica mãe carinhosa. Minha segunda mãe."
     Sou obsecado pelas músicas do Gonzaga. Mormente por aquelas em que o meu conterrâneo, Humberto Teixeira, foi o seu parceiro. Tenho a felicidade de tê-las, quase todas, na minha cdteca, pedindo desculpas pelo neologismo.
     Pra escrever esta crônica - Oh! Quanto já andei escrevendo sobre esse extraordinário sanfoneiro! -, me pus a ouvir uma de suas músicas que está entre aquelas que mais gosto: Assum preto.
     Uma confissão: essa canção tem  um verso que andei solfejando num passado já bem distante... 
     Este: -  "Assum preto o meu cantar/ É tão triste como o teu/Também roubaro o meu amor/ Que era a luz, ai, dos óios meus/ Também roubaro o meu amor/ Que era a luz, ai, dos óios meus."
     Gonzaga nasceu no dia 13 de dezembro de 1912, dia de Santa Luzia, jovem santa, filha da italiana Siracusa, "cujos olhos, de extraordinária beleza, fascinavam a todos que a fitavam."
     Ao contrário do que muitos pensam, seus olhos não foram arrancados por seus algozes, durante o martírio a que foi submetida, no tempo do imperador Deocleciano.
     Diz a lenda, que a própria Luzia - que fizera "votos de virgindade" - os teria "arrancado das órbitas e oferecido ao seu ex-noivo, o prefeito Pascásio, que se enamorara dela, sobretudo pela beleza do olhar..."
     Luzia morreu, traspassada por uma espada, no ano 304.
     Busquei uma maneira de homenagear o Gonzaga, fugindo do lugar-comum. Voltar a falar sobre seus parceiros, Humberto Teixeira, Zé Dantas, Lauro Maia; voltar a falar de Asa branca, Xote das meninas, Xanduzinha, Paraíba, Cintura fina, Vozes da seca, Triste partida; voltar a falar sobre tudo isso, seria chover no molhado. 
     Descobri, sem pretender ser o primeiro a fazê-lo, que podia homenagear o sanfoneiro lembrando interessantes declarações suas, tiradas do livro Vozes do Brasil - Luiz Gonzaga, que adquiri num sebo, faz mais de uma década. 
     São depoimentos, no mais legítimo estilo Gonzaga. Alguns, bastante conhecidos. Mas creio que ainda existe muita gente que não os conhece, e é para eles que escrevo. Faço-o resumidamente.
     Nascimento - "Meu nome é Luiz Gonzaga. Não sei se fraco ou forte. Só sei que graças a Deus, té pra nescê tive sorte. Apôs nasci im Pernambuco. Famoso Leão do Norte. Nas terras de Novo Exu. Da fazenda Caiçara. Em novecentos e doze. Viu o mundo minha cara. Dia de Santa Luzia..."
     Mãe e pai - "Santana era uma cabocla bonita, nos seus quinze anos de menina-moça. // Januário caíra nas suas graças. // Gostava do jeito dele, dos seus silêncios, das suas falas poucas, da sua seriedade. // Gostava também das  músicas que ele tocava, que mexiam lá por dentro da gente, dando saudade de terras distantes, desconhecidas. 
     Januário - "De Januário venho eu. Januário, conhecido tocador de oito baixos. // Meu pai foi quem me levou para os forrós para tocar com ele. Foi meu companheiro."]
     O casamento dos pais - "... o casamento foi feito naquele setembro de 1909, na igreja de Exu, sem muito arranjo, sem muita arrumação. // Fui o segundo dos nove, o primeiro sendo Joca. Depois, em anos sucessivos ou espaçados, foram chegando Geni, Severino, José, Raimunda (conhecida por Muniz), Francisca, Socorro e Aloísio. // Não perdiam tempo Januário e Santana. Pois havia aquele friozinho de pé de serra..."
     Infância - "Fui um moleque feliz. // Eu fazia tudo que me vinha à fantasia, coisas inocentes e maliciosas, desde que Santana não soubesse."
     O rádio - Depois de perambular pela zona do meretrício, o Mangue do Rio de Janeiro, com sua sanfona a tiracolo, Gonzaga chegou ao rádio. Disse ele: "Havia outros programas em que eu tinha de aparecer. Foi então que travei conhecimento com um locutor vivo, loquaz, embora vedinho.
      Era o César de Alencar, que nas apresentações me elevava às nuvens: `Luiz Gonzaga, o maior sanfoneiro do Nordeste, quiçá do Brasil.´ Tudo para mim, de repente, ganhou novo significado. Estava no rádio, definitivamente."

     (Quem não se lembra do Programa César de Alencar!?)

     O chapéu de couro  - "Pedi a minha mãe que me mandasse um chapéu de coro, ela mandou." E prossegue Gonzaga: "... quando eu lancei o chapéu de couro no auditório da Rádio Nacional, fui proibido de cantar com ele. O diretor artístico era Floriano Faissal. Ali não era casa de cangaceiro, não; eu tinha mesmo de trabalhar era de Summer."

               ***   ***

     Mas está na hora de pôr o ponto final. Já estou, no mínimo, me tornando um chato. Além do mais, uma homenagem, ainda que seja a um gênio como Luiz Gonzaga do Nascimento, deve ser rápida. Senão, se torna enfadonha.

               ***   ***

     Luiz Gonzaga, o injustiçado? Por quê?  Diria que Santa Luzia, a "protetora contra as doenças da vista", fora cruel e injusta com o velho Lua: o sanfoneiro morreu "cego dos óios" (vale o pleonasmo), no dia 2 de agosto de 1989, lá no Recife. 
     É provável que, no silêncio da sua despedida definitiva, ele tenha cantado Assum preto... antes de entrar no Céu.

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 10/12/2012
Reeditado em 06/12/2019
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