Os pombos
Aconteceu de alguém jogar um pedaço de pão de queijo para os pombos que habitam o Terminal Guadalupe, no centro de Curitiba – ou talvez não tenham jogado com esse objetivo, mas eram eles que agora se atiravam em busca da comida. Eram tantos que, à distância, mal se conseguia vislumbrar o pedaço que deu origem à disputa – uma típica briga de humanitas. Cansado de tanto levar bicadas, o pão de queijo apenas rolava para lá e para cá, esperando que um pombo vencedor pudesse carregá-lo no bico, ou que todos eles acabassem por esfarelá-lo.
Não podendo participar da batalha, um homem aproximou-se de nós que esperávamos o ônibus. Ao senhor que liderava a fila, dirigiu as mais sensibilizadas lamúrias, tentando convencê-lo a ceder algum dinheiro para que pudesse comprar um pouco de pão. No auge da sua argumentação, chegou a dizer que, se fosse necessário, comeria o alimento na sua frente para provar que tudo o que queria era realmente um pedaço de pão. Mas o velho não quis ouvir nada: constrangido, virou o rosto para o outro lado assim que o pedinte pronunciou a primeira palavra. E não tornou a virá-la até que o homem desistisse dele, resmungando. “Era só dizer que não tinha, oras”. Abordou então o próximo da fila – que era eu.
Olhei para aquele homem jovem e mal vestido e procurei enxergar algum sinal que revelasse a sua honestidade. Não chegando a nenhuma conclusão, limitei-me a dizer que não tinha dinheiro trocado comigo. Sua reação foi um educado agradecimento – quase uma reverência que, na certa, tinha o objetivo de mostrar ao velho como ele deveria ter agido. Atrás de mim estava uma jovem que tratou logo de despachar o homem inconveniente, esclarecendo que ele havia passado em má hora: “Se eu tivesse algo, com certeza ajudaria”. O homem agradeceu e continuou a sua busca.
Mas a próxima da fila era uma mulher que não quis manter o clima de serenidade. Assim como o velho, ela se recusava a olhar diretamente para o mendigo. Fazia questão de ignorar a sua presença. Diante disso, o homem começou a tratá-la com insolência – ainda mais depois que reparou no conteúdo da sacola que ela carregava.
- Olha só! Você tem pão aí!
- Tenho! É pros meus filhos! Vá trabalhar que você vai ter também!
- A senhora um dia vai precisar pedir que nem eu. Te rogo uma praga!
- Pois rogue que ela volta pra você!
- Então já voltou e eu te mando de novo!
E continuaram discutindo por algum tempo, até que finalmente o homem se afastou, lentamente. A mulher, vendo-se livre do mendigo, virou-se para nós e começou a se queixar de tamanho atrevimento. Esperava que concordássemos, mas ninguém falou nada – fazíamos questão de ignorar a sua presença.
Não demorou e surgiu entre nós uma senhora vendendo doces – não sei se o seu trabalho ali era regularizado ou não. Ela havia observado toda a cena e falou alguma coisa em tom de reprovação diante da atitude do mendigo. A mulher viu-se satisfeita com o apoio da velhinha. “Ele devia fazer que nem você e vender doces por aí”. E, como àquela hora da tarde a sua fome era insuportável, a mulher abriu sua carteira e comprou alguns doces. Ao meu lado, a jovem que só não ajudou porque não tinha dinheiro, virou-se para a senhora e falou: “Também vou querer”.
Era um domingo à tarde e fazia sol. A jovem me pergunta as horas. Faltavam quatro minutos para as quatro e nós estávamos extremamente preocupados, porque aquele ônibus não chegava nunca.