ELISA
A primavera, enfim, chegara, trazendo consigo as flores, o canto dos pássaros e a vida que estava recolhida, encolhida, adormecida, caída, congelada, morta em qualquer lugar. A força desta estação movimenta desde os menores insetos aos grandes animais. Todos fazem do retorno uma festa, com direito a muito ruído, chiado, barulho, estardalhaço. O aparente silêncio frio do inverno é tomado pelos sons de tudo que vive, cresce e morre.
O ciclo da vida recomeça. A temperatura amena e agradável deixa espaço para aves e borboletas pintarem o céu com pontos multicoloridos. As águas retomam lenta e suavemente seu curso. O coaxar de sapos e as luzes dos pirilampos fazem parte da imagem desenhada nos dias, dando som e cor àquele lugar cheio de energias renovadas.
Enfim, o momento mágico chegara! Era como se a vida nunca tivesse morrido! Naquele lindo jardim, tudo aprecia florir e sorrir. Era realmente a magia do lugar que tornava tudo ali diferente. Fadas? Duendes? Seres mitológicos que, com pozinhos mágicos, faziam a natureza mudar e parecer mais bela? Será que aquele lugar era a moradia da vida primaveril?
Ninguém sabia ao certo se naquele jardim habitavam tais seres, mas a magia das cores e da vida eram muito presentes. Elisa vivia bem próximo dali. Era uma menina delicada que percebia o que outros nem viam. Ela era extremamente sensível e, durante a primavera, tornava-se ainda mais.
A menina Elisa, quando visitava o jardim, se deitava sobre a grama verde e ficava admirando o formato de cada nuvem no céu. Conseguia ver um ser, um bicho diferente, ora um coelho, ora uma ovelha e ora a silueta de um camelo. A imaginação corria solta, levada pelos sonhos daquela menina tão sensível. Seus ouvidos percebiam além do canto dos pássaros e do zumbido de mosquitos e abelhas. Ela conseguia ouvir até mesmo vozes que lhe diziam sobre acontecimentos passados e por vir. Era por esse motivo que muitos viam Elisa falando sozinha. Contava aos outros tudo o que escutava dos amigos ditos imaginários e todos que a ouviam tinham receio deste comportamento estranho. Elisa falava com tom de verdade e convicta da existência de cada ser que ouvia. Alguns tinham nomes próprios e eram mais constantes. Outros surgiam às vezes, em momentos diferentes. Todos, porém, eram os únicos amigos constantes de Elisa.
Quando voltava dos seus passeios, Elisa se dispunha a narrar aos outros as conversas que ouvia. Algumas eram até intrigantes, pois pareciam mensagens codificadas e direcionadas para um alguém conhecido. Outras eram como se os fatos ocorridos há muito tempo e que nem diziam respeito à vida daquela garotinha. Tudo era misterioso e o que sobrava era a desconfiança em alguém sensivelmente diferente dos demais.
Elisa era sozinha. As crianças da mesma idade a temiam devido aos comentários dos mais velhos que diziam que a menina “não batia muito bem da cabeça”. O preconceito afastava todos do encanto real que Elisa possuía.
Um dia a menina adoeceu. Muitos foram os dias febris em cima de uma cama. Muitos foram os momentos de dor e angústia para aqueles pais. Qualquer pessoa teria se entregue, mas não a pequena Elisa que parecia saber por que estava passando por todo aquele sofrimento. Mesmo com uma voz fraca, conseguia dizer o quanto era feliz por ter algumas pessoas a sua volta, aliás, bem poucas. Não parecia sofrer com a falta de amigos, pois alegava ter o que outros não viam. “É a febre. Está delirando.” ─ diziam.
Elisa tinha seus encantos e sempre fora meiga ao falar com e das pessoas. Eram suas histórias sobre gente que não estava mais neste mundo que a faziam diferente das demais. Quem acreditaria em suas histórias de menina? Tudo aquilo poderia ser coisa de criança imaginativa e sozinha demais.
No final da primavera, a doença de Elisa foi embora, levando-a junto. A menina era uma das flores daquele lindo jardim que, por algum motivo, deixou de ter os encantos que possuía.
Luciane Mari Deschamps