Amor pela terra

Há algum tempo, esse assunto polêmico anda tomando conta do meu pensamento. Resolvi falar sobre ele. Nesse momento, eu me lembro de uma prima, que é psicóloga. Sabem por que eu me lembrei dela? Porque quando ficou sabendo que eu estava publicando os meus textos, disse-me: “Não escreva nada que possa atingir as pessoas. Escreva só coisas que façam bem, etc”. Imbuída nessas palavras, havia naturalmente uma referência, para que os temas polêmicos fossem evitados. É um ótimo conselho, sem dúvida! Ainda mais vindo dela, uma grande estudiosa da alma humana, tendo inclusive o título de doutora pela Universidade de Sobourne. Mas às vezes sou obrigada a dar uma escorregadinha. Como ignorar esses assuntos se fazem parte do nosso dia-a-dia?

Quando eu era criança tinha verdadeiro pavor de ter que abandonar as terras em que fui criada. Eu me sentia como se tivesse raízes invisíveis me prendendo àquelas terras vermelhas, como se fosse um pacto de sangue. Aquelas terras vermelhas... Minha mãe que o diga! Não era nada fácil limpar as nossas unhas, lavar as nossas roupas... Ela falava: “Essa terra parece tinta, não sei como a pessoa que construiu a casa não escolheu um outro local”. Papai explicava: “Maria, foi exatamente por isso que o meu tataravô construiu essa casa aqui. Ele achou bonita essa veia de terra vermelha que começa lá na serra, atravessa toda a fazenda e termina do outro lado”.

Quem já assistiu ao clássico filme “E o vento levou...” deve se lembrar da personagem principal, uma irlandesa de nome Scarlet O’Hara. Numa cena muito comovente, ela apanha um punhado de terra e faz um juramento pelas “terras vermelhas” de Tara". Apesar de não ter nem uma gota de sangue irlandês, eu também sentia isso. E ao ouvir falar em “Reforma Agrária” ficava preocupada e perguntava ao meu pai: “Será que eles vão nos tirar daqui?” Naquela época, fazia-se muito terror em volta desse assunto e era bastante forte a corrente contrária a essa idéia. Por causa disso, divulgavam formas de assustar as pessoas. A impressão que tínhamos é que de repente, sem nada que justificasse, as terras seriam invadidas e as pessoas obrigadas a abandonarem tudo. Diante disso, meu pai também se sentia inseguro, mesmo tendo a fazenda produtiva, pagando todos os impostos, dando a vida, o suor por aquelas terras. Aliás, naquela época, o medo parecia ser a forma de controlar as pessoas: era medo do Comunismo, da guerra, da Reforma Agrária, do fim do mundo... Conheci pessoas que tinham medo até de terremoto e de vulcão. Achavam que podia acontecer esse “castigo” com o Brasil também.

Mas o meu medo era de perder o cantinho em que fui criada. Perder aquilo era como perder a referência do lugar onde os meus antepassados nasceram e morreram. Um lugar onde cada pessoa deixou um pouco de si. E presenciar algo assim era quase uma profanação de um lugar “sagrado”. Por isso ficava assustada, imaginando que de uma hora para outra haveria uma invasão dessas que ocorrem na guerra.

Vivo agora em outra época. Existem leis que esclarecem a posse de terras e, por isso, sou totalmente favorável. Acho maravilhoso que possam tentar resolver a situação de miséria em que vivem tantas pessoas. É um verdadeiro absurdo que latifúndios não sejam ocupados por pessoas que nele tirem o seu proveito. Existem pessoas que adquirem grandes propriedades rurais e nem as conhecem. Acho, portanto, que os critérios devem ser seguidos. Que não se desrespeitem os direitos assinalados pela lei que são claros e justos.

Para amenizar essas coisas é preciso que haja uma política de apoio e ajuda às famílias, a fim de que superem essas dificuldades. Mas uma ajuda verdadeira, com bastante empenho, com acompanhamento assíduo, porque o que vejo são pessoas vivendo em situações precárias, com crianças pequenas debaixo de lonas etc. Não seria bem melhor que elas encontrassem alojamentos para as receberem? Talvez haja até necessidade de encaminharem técnicos agrícolas para orientá-las sobre o plantio, o tipo de terreno etc.

Na minha infância conheci inúmeras pessoas que tinham vocação para o campo. Como eram felizes! A terra é algo abençoado e a pessoa que a trabalha com amor fica salpicada desse bem. São pessoas pacíficas, tranquilas e irradiam tudo isso ao seu redor. Ficar próximos a elas é receber sem dúvida esse toque benfazejo. Mas infelizmente, e digo que isso é bem freqüente nos últimos anos, conheci pessoas que consideravam até castigo ter que cavar o chão. Não eram capazes de plantar um pé de couve sequer!

Desejo que essas pessoas, que fazem o trajeto inverso ao tão preocupante êxodo rural, tenham ou que pelo menos tentam ter, amor pela terra, pois só assim serão dignas de a possuírem. Quando digo amor, não me refiro ao apego material. Falo do genuíno amor pelas coisas criadas por Deus. Um amor que respeita, proteja e cuida.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 09/12/2012
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