HOMEM ROMÂNTICO
Por Vicentônio Silva
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Amigo de curta data procurou-me na intenção de buscar auxílio. Doze anos de casamento e quatro filhos, a esposa reclamava regularmente da perda de romantismo. Sempre tímido desde o início do relacionamento, não gostava de exposições, mas a insistência da esposa e a cobrança das colegas de trabalho – com as quais dividiu o sofrimento psicológico – forçaram-no a procurar alguém que, se nada entendesse (era o meu caso!), pelo menos sugerisse algumas idéias. De pronto, muito envaidecido, propus romantismo nas manhãs de domingo. Na véspera, despachasse as crianças à casa dos avós, dos tios, dos primos, de outros parentes ou de amigos: casa vazia, silenciosa e tranqüila, momento ideal de explorar todo o seu lado sensível.
Num primeiro domingo, acordaria a esposa com café da manhã levada numa bandeja nova, cento e cinqüenta gramas de presunto e cem de queijo, duas espécies de geléia, suco de laranja e de maracujá, leite, chocolate em pó, dois tipos de bolo, café. No segundo domingo, ramalhete com vinte e cinco rosas das mais bonitas acompanhadas de caixa de chocolate de bom gosto. No terceiro, ainda de madrugada, serenata embaixo da janela. Depois, seguir à cafeteria. Último domingo do mês, almoçar naquele delicioso restaurante de peixes em Bataguassu, tarde numa dessas pousadas de Presidente Epitácio e, antes de pegar a trupe dos filhos, jantar num bom restaurante, fechando a noite com vinho chileno ou gaúcho e, na falta de ambos, uruguaio ou argentino.
Quatro semanas depois ele entrou em minha sala, fechou a porta, apresentou-me uma lista e perguntou-me como resolver a situação. Passei atentamente os olhos: bandeja nova (R$ 20,00), presunto (R$ 2,00), queijo (R$ 2,80), duas espécies de geléia (R$ 9,00), suco de laranja e de maracujá (R$ 7,00), leite (R$ 2,50), chocolate em pó (R$ 0,80), dois tipos de bolo (R$ 9,00), café (R$ 3,50), ramalhete com vinte e cinco rosas (R$ 43,00), caixa de chocolate de bom gosto (R$ 35,00), serenata embaixo da janela (R$ 126,00 – contratação de cantor, dois violonistas, transporte e lanche após o espetáculo particular), cafeteria (R$ 26,00), almoço naquele delicioso restaurante de peixes em Bataguassu (R$ 67,00), tarde em pousada de Presidente Epitácio (R$ 55,00), jantar num bom restaurante (R$ 89,00), vinho chileno (R$ 39,90).
Consultei os itens e os preços. Imediatamente lembrei-me que os havia sugerido em nossa conversa de semanas atrás. Concluída a leitura, deu-me outra lista: vasos, pratos, copos, vidro da janela e ventilador quebrados na casa do primo (R$ 223,00); danificação na pintura do carro do sogro (R$ 180,00); tapetes e cortinas rasgados ou queimados na casa de amigo (R$ 123,00).
Ergui meus olhos assustados do papel em que cuidadosamente descreviam-se os gastos do mês anterior.
- Quanto custou um mês romântico? Perguntou-me, mais preocupado do que irônico.
Um passarinho desfilava no muro do prédio ao lado. Puxou os cabelos para trás:
- Um pouco mais de mil reais. Agora, disse-me, tom de serenidade de quem não enfrenta desafeto, mas busca explicações com amigo, eu sempre pensei que um homem romântico era um homem superior. Minha esposa adorou os quatro domingos. Minha imagem diante dela, das amigas e dos parentes melhorou muito, entretanto, hoje pela manhã, quando nos sentamos no sofá para ajustar as contas, ela ficou horrorizada e, se eu não tivesse guardado recibos e notas fiscais, teria me acusado de manter amante. Minha única pergunta – que fiz a ela e que faço ao senhor, que me deu as idéias românticas: como pago o plano de saúde, a prestação da casa, o supermercado, o cartão de crédito e o transporte escolar das crianças?
Já tinha enfrentado várias situações constrangedoras – provocadas por mim – mas aquela era a primeira em que apenas dava sugestão ao marido desejando agradar a mulher.
Diante de meu silêncio, pegou as duas listas, desejou-me bom dia, arrumando novamente os cabelos.
Quando cruzou a porta, comprometi-me comigo mesmo: nunca mais dou idéias de romantismo a ninguém!
*Publicado originalmente na coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 7 de dezembro de 2012.