Eu e Niemeyer em Brasília

Ah, como o brasileiro precisa ter um gênio à mão. Sim, para apalpá-lo, farejá-lo. A simples existência de um gênio patrício já nos permite um mínimo de auto-estima. Essa fala não é minha, mas do Nelson Rodrigues, e se referia a Oscar Niemeyer ainda nos anos 60. Quase 50 anos depois, era ainda um gênio que fui farejar no Palácio do Planalto, durante o seu velório. Eu e uma multidão. Era uma audiência de jogador de futebol, de astro de música pop. Ninguém ali entendia coisa alguma de arquitetura – ou talvez entendêssemos todos, afinal ela não é invenção? Ali, comprovávamos a existência de alguém que tinha coisas ainda mais extraordinárias que a sua longevidade.

Estamos em Brasília, afinal. Há um dedo do Niemeyer em cada canto. O próprio Palácio do Planalto é projeto seu. Subi a rampa que os presidentes sobem quando tomam posse, e descobri o seguinte: eles sofrem um bocado quando fazem isso. Tenho uma certa bronca das rampas do Niemeyer. O Museu da República, feito em forma de óvni, tem uma ainda mais desgastante. Na parte interna do Teatro Nacional existe uma rampa em curva, como era do seu agrado. Essa é uma rampa em descida, e portanto não cansa ao entrar, mas não existe proteção lateral na parte inferior dela, e por isso uma criança poderia cair fora dela. Mas é claro que isso nunca aconteceu, e eu talvez fosse facilmente convencido caso ouvisse os motivos para essas escolhas.

Da Catedral de Brasília eu não sei bem o que falar. É melhor que venham ver. É uma descida escura até a porta de entrada, quando somos impactados pela luminosidade dos tons de verde e azul dos vitrais, que ganham ainda mais destaque devido aos pilares brancos e o piso de mármore. No alto, três anjos suspensos. Uma sensação de grandiosidade estonteante. Foi onde eu acho que o Niemeyer acertou a mão mesmo. Há outras construções, e eu não conheço todas. O Palácio do Itamaraty também é muito bonito. E até mesmo as torres do Congresso, essas que tanta gente quer ver derrubadas, tamanho o desgosto causado pelas pessoas que lá estão de terça a quinta-feira.

Tudo isso contribuiu para que Brasília fosse tombada como patrimônio da humanidade. Coisa que o próprio Niemeyer achava uma tremenda bobagem: uma cidade está sempre se modificando. Imagino que esteja certo. Não parece, mas também existe muita coisa que se já tornou feia e impraticável em Brasília. Pois o tombamento garante que continuarão feias e impraticáveis por todo o sempre. E enquanto isso cresce a miséria nas cidades-satélites.

Mas eu queria falar da paixão. É isso que faz alguém com 104 anos querer sair do hospital e ir trabalhar. Há aqueles cuja única ambição na vida é passar em um concurso público. Em qualquer concurso e para qualquer cargo. Ou ganhar na Mega Sena e nunca mais trabalhar. E existe uns que, descobrindo aquilo que gostam e têm talento, trabalham nisso por toda uma vida – até de graça. Lembro do Steve Jobs e seu apelo para que procurássemos, e continuássemos procurando, aquilo que realmente gostamos de fazer. O Niemeyer é o melhor exemplo de alguém que conseguiu. Vejam no noticiário os frutos disso.

Tudo devidamente lembrado agora que o Niemeyer descobriu um arquiteto ainda melhor.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 07/12/2012
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