A Prova
Dia de prova, o professor carrasco, anunciara antecipadamente que elaboraria dois tipos diferentes de provas, a turma tremia, as folhas voavam embaladas pela tensão existente naquela sala, ninguém dava um pio. Os únicos barulhos que se podia ouvir eram os dos ventiladores acelerados e do relógio que fazia tic tac na cabeça de cada aluno. Não sei como, mas em dia de prova, um relógio imaginário nos atormenta deixando ainda mais difícil de responder aquilo que já parecia impossível de ser respondido. Você que é ou já foi estudante sabe muito bem do que estou falando.
Como de costume o professor pediu: - Assinem suas provas de caneta, lápis é inaceitável.
Obedientes todos nós assinamos nossas provas. Cerca de meia hora após o início da prova o silêncio atormentador foi rompido pelo leve barulho de folha sendo amassada e de imediato o professor, como se fosse uma águia em busca de sua presa, direcionou seus olhos para todos os lados da sala. Dizem que um professor zangado com sua turma é capaz de ver dentro da alma do aluno e perceber quão medroso ou nervoso este está e, além disto, dizer se ele estava colando, pensando em colar ou passando cola. Assim fez aquele professor, aguardou ansioso pelo momento em que desvendaria aquele barulho estranho.
Se você pudesse, naquele momento, ir à janela daquela sala perceberia que o ‘fuzuê’ formado pelo barulho dissipou-se tão rápido quanto a água consegue esvair-se de nossas mãos quando tentamos aprisioná-la entre os dedos.
Novamente estávamos naquele impasse: Pra onde o professor está olhando? Será se ele desconfiou de algo? Os pensamentos já estavam tão altos que por um momento quando o professor me olhou pensei que ele tinha os ouvido. Passados cinco minutos, os ânimos do professor, aparentemente, haviam se acalmado.
O tempo estava passando rápido, se não nos apressássemos não daria tempo. Uma gota de suor caiu sobre minha folha, então percebi, eu estava suando frio. Cabe contar-lhe que a prova em discursão é de Química, ela aconteceu no ano de 2005, naquele ano eu era um dos melhores alunos da referida disciplina. Questões de Química que a maioria não conseguia resolver eu destrinchava instantaneamente, por isso, muitos me procuravam pedindo que eu lhes ensinasse e/ou ‘ajudasse’.
Você há de convir que alguns amigos são especiais ao ponto de não nos recusarmos a prestar-lhes ajuda. Assim aconteceu naquele dia, aquela prova era decisiva para Ane (A chamarei assim para não revelar seu nome verdadeiro) e para Silveira (nome também fictício).
Ane, Silveira e eu tínhamos nos reunidos por várias vezes nos dias anteriores para estudar e nos prepararmos para aquela prova, mas eles não se sentiam confiantes e pediram que eu os ajudasse. Estrategicamente sentamos um atrás do outro. Ane liderou a fila, Silveira ficou logo atrás dela e eu sentei-me logo em seguida, desta forma, Ane e eu receberíamos a mesma prova e após respondê-la sobraria apenas a de Silveira para fazer. O plano era simples, eu responderia minha prova, trocaria de prova com Silveira este passaria minha prova para Ane, ela a seguraria por tempo suficiente para eu responder a prova de Silveira, logo em seguida trocaríamos novamente de prova então eu teria o tempo suficiente para a prova de Ane, seria moleza, pois, minutos antes eu já a tivera respondido. Concluída esta fase colocaríamos nossas provas em cima da mesa do professor quase simultaneamente. Como as colocávamos sempre viradas para baixo o professor não perceberia que entregaríamos provas de outras pessoas. A ordem não importaria. O plano era perfeito.
De início tudo corria bem até que a prova de Ane chegou às minhas mãos, logo que a olhei , meu coração começou a bater mais forte, o professor ao invés de duas tinha elaborado três tipos de prova. Demorei certo tempo até conseguir perceber que aquilo só afetaria no tempo para responder a nova prova e não alteraria o plano.
Já estávamos quase no final do plano quando o professor se aproximou de mim e tão rápido quanto um leão que captura sua presa, ele puxou minha prova e em voz alta, com tom de sarcasmo e raiva disse aquelas palavras que até hoje ecoam em meus ouvidos:
- Então seu João, você agora se chama Ane?
O suor que há pouco havia caído sobre a folha pareceu se multiplicar e causou-me um frio quase insuportável. Sem demora, o professor foi em direção a Ane e tomou a prova. Naquele momento vi as paredes da sala se aproximando de mim como se fossem me espremer até que eu sufocasse ou morresse estraçalhado.
- Então a sala inteira está envolvida?! - Gritou o professor estarrecido ao ver que a prova que estava com Ane na verdade era a de Silveira. Dava pra ver fumaça saindo da cabeça do professor quando ele foi em direção a Silveira. Lá chegando, ele apoderou-se de sua prova e pediu que saíssemos da sala. Sem saber o que fazer, cada um de nós tomou uma atitude diferente. Ane começou a chorar e saiu da sala, Silveira riu discretamente enquanto saía da sala e eu fui buscar mais informações. Perguntei ao professor o que ele faria. Ele respondeu-me que eu deveria aguardar até a próxima aula. Esta só seria dois dias depois.
Acredito que nunca mais fiquei tão aflito quanto fiquei naqueles dois dias de espera.
Era chegada a hora da verdade, sentamos bem longe uns dos outros para demonstrar que estávamos arrependidos, no mais íntimo de nosso ser, tínhamos a esperança de ele não ter anulado nossas provas e, quem sabe, até ter concedido uma nota razoavelmente boa para cada um.
Depois que todos os outros alunos da turma já estavam com suas provas na mão, o professor chamou meu nome, então ele entregou-me três provas grampeadas, a de capa era a minha. Propositalmente ele corrigira as provas como se nada tivesse acontecido e depois descontou o “erro da troca” no final das contas na minha prova veio escrito de caneta vermelha, com letras enormes: 10 – 7 = 3. A prova seguinte era a de Silveira, na qual estava escrito: 10 - 3,5 = 6,5. Por fim veio a prova de Ane, esta eu não tivera tempo de responder por inteira, fiz apenas metade, quando ia começar a terceira questão o professor tirou a prova de mim. Lá estava escrito: 5 - 3,5 = 1,5.
Para fechar com ‘chave de ouro’ o professor fez um comentário hilário: - Seu João, você acertou todas as questões que fez e por isso deveria ganhar dez, mas por tentar me enganar deveria ganhar zero. Pra não ser injusto descontei de você o dobro do que descontei dos outros dois. Perceba que quem mais perdeu foi você.
Naquele dia jurei não colar ou passar cola. E despois daquele dia todas as vezes que penso em colar ouço a voz do professor e esta me faz preferir reprovar ou deixar que alguém reprove do que colar ou passar cola.