Os olhos do oficial
Tudo tão simples... Saí para comprar pães numa padaria que fica pertinho da Catedral. Fico encantada por lá, aquele ambiente conhecido, frequentado desde a infância. Os filhos do proprietário da padaria foram meus colegas de ginásio. Rubens era o caçula da família, tão bonito, faleceu em plena juventude. Ainda cuidam da padaria os parentes do velho Rocha que ficou conhecido como Seu Rocha da padaria do parque. Havia um pão do qual nunca me esqueço, o pão doce, todo vermelhinho e coberto de açúcar cristal granulado. Ai que delicioso. Minhas colegas diziam: Tânia, você vai para o colégio comendo este pão? Claro. Quem resistisse àquela maravilha só poderia ser uma criatura da alma adoentada. E eu entrava na sala de aula com a boca doce e brilhando com os pontinhos do açúcar. Mas, voltemos a esse dia em que, como disse na primeira linha, saí para comprar pães. Ah, eu adoro misturar assuntos, abrir parênteses, arriscar me perder que é pra ver se sei retornar. Então, digo mais, que comia tarecos dessa panificação e que eu sinto o gosto na boca toda vez que ouço o Flávio José cantando Tareco e mariola. Acrescento que, apesar de ser a mesma padaria e gente dessa mesma família, os tempos mudaram e noventa por cento do charme do passado não existe mais. E o que aconteceu quando saí para comprar pães? Ok, vou contar, naturalmente. Olhei uma porção de coisas muito coloridas e apetitosas e fui me movimentando entre tantos produtos. Pelo meu gosto, levaria todos para casa, mas há que se controlar. Depois de verificar pelos balcões, notei que onde antes via queijos e requeijões, estavam outros itens. Então, me dirigi a uma balconista: tem queijo? Sim, e apontou para um setor onde estavam os frios. Ah, não queria daqueles queijos fingidos, em pratinhos. Queria queijo matuto, requeijão do sertão. Fui andando meio que contrariada e perdendo a graça pelo café das seis da tarde sem queijo, poxa! Ergui a cabeça e me deparo com uma cena, esta: dois rapazes sentados lanchando. Eram bombeiros. Tipudos, largos, tudo lindo, desculpe o materialismo, mas uma paisagem daquela não passa sem que se note, assim como todos os homens notam as belas moças andando pelas calçadas ou onde quer que estejam. Eu noto homens e mulheres bonitos e até digo ao marido: veja, Jorge, que linda mulher! Lindos homens, fiquei entretida pensando na beleza masculina, tudo foi muito rápido, mas muito marcante também. Dois olhos grandes, bem delineados, verdes, verdes, verdes, verdes, lindamente verdes como as ondas do mar no alvorecer. Aquele verde tão verdinho na minha direção me desarticulou completamente. Ele olhava direto nos meus olhos e senti o mar me invadindo, pensei nos meus vinte anos, ouvi Charles Aznavour cantando Hier encore, j’avais vingt ans... Mon Dieu! Perdi o ritmo do andar e comecei a, discretamente, olhar ao meu redor, só havia uma prateleira de biscoitos. Ao retornar os meus olhos para aqueles olhos verdes, tive a certeza: eles me olhavam. Voltei para casa sem o queijo, sem os olhos verdes, mas eles vieram comigo, marulhando, marulhando e me encheram de maresia.