“MEU SENHOR PEDREIRO”

Valdemiro Mendonça

“Crônica três”

Estou reformando e até já o disse aqui, “minha casa”. No inicio trabalhou até quatro pessoas nesta reforma e eu andei ajudando, foi onde arrebentei à coluna e está me dando um trabalhão andar de novo com perfeição.

O pedreiro responsável, (vou declinar o nome) Vamos chamá-lo só de "pedreiro". Ele tem nada mais nada menos do que setenta e quatro anos, sete anos a mais do que este trovador. Gente é admirável ver sua disposição para o trabalho! Não cobra tão caro, “em relação a outros da área”, mas faz seu próprio horário, já houve dias dele chegar mais de nove horas e dar uma desculpa qualquer e eu aceitar, afinal ele sempre compensa de uma ou outra forma, às vezes ficando até mais tarde ou fazendo alguns serviços fora do seu contrato de trabalho sem cobrar extras por isto.

Devem estar se perguntando: E eu com isto? Calma criança, eu preciso registrar o fato, faça uma forcinha e leia até o final. Ele está reformando os 124 metros de muros em torno do meu barraco, trabalho duro, mas já há um mês ele me disse, senhor Miro: agora pode dispensar os outros funcionários que o restante eu dou conta sozinho, fiz e já vai para dois meses de obra, pagos por dia... Tá, não vou ficar chorando as favas que o cabrito comeu.

Bem, mesmo com este invejável vigor para alguém nesta idade, o senhor pedreiro já anda meio que tropeçando na língua que capta e transforma em palavras os próprios pensamentos, quem sabe foi por isto que preferiu trabalhar só? É pode ser, pois, ele deve ter consciência de que os companheiros iam achar muito estranho ele falando sozinho, e este é o probleminha do meu senhor pedreiro, fala mais do que lavadeira na beira do tanque para as paredes, ou o vento.

Nem eu nem minha família o deixamos perceber que estamos ouvindo e até nos afastamos e o deixamos só com seus achaques.

Ante ontem, eu fui logo após o almoço, para a oficina e como sempre, encosto a porta e fico matutando o que e como fazer determinada obra sempre de: “arte”, na maioria das vezes desisto, adio o compromisso e volto para o “PC”. O pedreiro chega toca o interfone e vai para o trabalho sem esperar interferência de ninguém. Neste dia ele estava fazendo um grande reparo no muro há seis metros do grande portão da minha oficina, entrou falando e continuou, fiquei de saia justa, não podia sair e nem fazer barulho, pois ele poderia até pensar que eu o estava espionando e se magoar, o jeito foi ficar quieto e ouvir a sua lenga-lenga.

Imagine... Depois de uma pausa ele continuou: ela tá pensando o que, vir na porta da minha casa e me afrontar daquele jeito, me cobrando não ter ido a igreja encontrar com ela; E se minha família escuta, como eu fico? Eu nem gosto daquela igreja, bom, na verdade não gosto é do pastor, nem sabe pregar, só sabe falar do paraíso, do Jacó do Davi, tudo do velho testamento, será que ele não sabe que a essência da religião agora é o cristianismo e o que nós estamos vivendo agora é à modernidade?

Aposto que se eu subir lá em cima do púlpito eu sei falar direitinho, na roça às vezes eu é quem dirigia o culto... Outra pausa e: meu coração veio para a goela, ele subiu em cima do carrinho de carregar material e eu morrendo de medo dele cair, mas segurei as pontas enquanto ele abria os braços que nem o próprio mestre e exclamava alto em bom som: irmãos, vocês estão fazendo tudo errado, tem que seguir a Cristo, esqueceram o que ele disse? Ninguém vai ao pai senão por mim, arrependei-vos dos seus pecados, porque é chagada a hora... Outra pausa e o senhor meu pedreiro atacou de novo: será que não estão vendo os sinais, irmãos matando irmãos, filhos matando pai e estuprando mãe e depois a matando só para roubar o dinheiro da aposentadoria e comprar as malditas drogas? Pois, ouvi o que vos digo, é chegada a hora da separação, dos bons e dos maus, onde todos os mortos ressuscitarão para encarar a face do pai, levantai-vos para orarmos e pedir perdão para que nossos pecados sejam remidos.

Neste momento parou um veículo do outro lado do portão de saída da casa e ele, parecendo acordar de um transe, baixou os braços, olhou rápido para os lados e desceu do carrinho. Eu pensei, gente: se ele fincar uma igreja pra ele dirigir, este meu senhor pedreiro vai ficar é muito rico.

Fiquei mais um pouco na oficina e quando ele entrou na garagem para pegar material eu saí da oficina e abri o portão de saída batendo-o como se o fechara e passei em frente aonde ele estava o cumprimentando, bem certinho, afinal... Gosto muito do meu senhor pedreiro. Fui.

Trovador.

Trovador das Alterosas
Enviado por Trovador das Alterosas em 06/12/2012
Reeditado em 24/04/2021
Código do texto: T4022837
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