Um momento de inadequação na praia
Vinha caminhando pela praia quando percebi alguns metros à frente, uma mulher de idade deitada na areia em completo desalinho, ao sabor das águas que iam e vinham cobrindo o seu corpo de espuma.
Havia um contraste entre a idade da senhora, e o erotismo deslocado que ela acabava emanando ao se deixar lamber pelas ondas com os seios transbordando do maiô.
Um homem que caminhava à minha frente parou para falar com a senhora, que demonstrou estar doente e fraca ao responder com uma voz débil e arrastada, como se drogada.
Incomodado com a inadequação da cena, o homem se sentiu na obrigação de retirá-la do caminho, de escondê-la de eventuais olhares pudicos.
Apesar dos protestos verbais da mulher, que com voz arrastada em consequência da ingestão de alguma droga, e de sua tentativa fragilíssima de se livrar dos braços do homem, ele a deslocou para longe da água, argumentando estar a salvá-la do perigo iminente das ondas, cuja espuma, apenas, lhe lambia o corpo.
Suspeitei que a mulher estivesse muito doente, estava obviamente muitíssimo fragilizada, talvez à beira da morte. Imaginei que a ida à praia tinha sido o seu último desejo, e a sensação das ondas em seu corpo o último prazer de sua existência.
O gesto do homem privava a mulher da fruição de seus últimos momentos de prazer, substituindo-os por uma raiva impotente e sofrida, certamente, em nome da adequação.